sábado, 1 de agosto de 2020

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UMA BELA CAPA 
01/08/20




No começo, como sempre, faço um esboço rudimentar e despretensioso.  Toda ideia nasce incerta e um pouco frágil, dentro da cabeça.  É lá que a escrevo, antes de tudo.

Estória, não é uma coisa que se possa escrever, como se toca um piano, a uma, duas, três, quatro mãos.  Só pode ser escrita, por uma única mão, mas nunca construída por uma só pessoa.

Quase tudo é real, pessoas, local, tempo e circunstâncias, até um certo ponto da narrativa.

Alguns podem entendê-la, como sendo um delírio ou alucinação de minha parte; mas eu prefiro considerá-la, como fruto de minha imaginação, além da conta de fértil.  Mas reservo-lhes o direito de pensarem o que quiserem.

Acrescento, que ela é sobre duas trajetórias diferentes, que em algum ponto, se cruzam em tempo, lugar e situação idênticos, mas sem nomes e datas.

Esta estória, em sendo, reais as pessoas, estão sujeitas às reações humanas, e portanto, é perfeitamente plausível, passível e possível, de se tornar bem interessante.

Como disse, a sua construção, não se deu apenas pela minha atuação 'solo', há a participação de uma segunda pessoa, e é com a sua permissão que a escrevo.


*

PREFÁCIO

Depois que a casa silenciou e eu fechei meus olhos (ou não), sentei-me à mesa de madeira, que uso para esse fim, e de posse da caneta, comecei a trabalhar sobre as folhas em branco.  Cabe dizer, que esse lugar é dentro da minha cabeça - um lugar seguro para as minhas ideias, antes do seu nascimento.  Embora isso se dê dentro da cabeça, nunca excluo, nenhuma parte ou sensação do resto do meu corpo.

Na primeira noite, escrevi uma ou duas páginas; alguns parágrafos, os reli; fiz uma alteração, aqui, ali; risquei alguns trechos; substitui algumas palavras, não para ser convincente, mas para me fazer entender.



A ESTÓRIA 

‘Sinto o farfalhar de meu vestido esvoaçante, ao caminhar, afinal é dia de festa!  Tomo a direção contrária, do que se esperaria que tomasse - a festa.  Ouço o barulho dos meus passos, do salto fino de minhas sandálias, batendo forte no chão, em ritmo tranquilo e decidido.

Parada à porta, percebo o ambiente acolhedor, uma atmosfera aconchegante, de luz indireta e tenho uma calorosa recepção, daquela que se oferece, a quem se espera, há muito.

Ele me toma pelas mãos, dando fim à inércia que me conserva imóvel, levando-me para dentro.  Oferece-me uma taça de vinho branco, porque afinal é festa!  Conversamos, não com velhos amigos, porque não o somos, mas como conhecidos profundos, porque não chegamos a ser velhos, de fato, pois faz apenas um ano, que nos conhecemos.  E além do mais, conhecer alguém, nada tem a ver com o tempo de conhecimento, mas com a sinceridade e coragem nos diálogos.

O tempo passa agradável, sinto-me em segurança e certa, de que é, a companhia ideal, lugar e momento exatos, em que quero estar e ficar.

Dançamos de rosto colado, pele com pele, porque concordamos, que dançar juntinho, uma boa música, é a metade da sedução. Dançar é cortar amarras, é estabelecer vínculos de liberdade e prazer; é sermos um só ser, apreciando e sentindo a música, deixando que ela nos leve ... e ela nos levou, porque quisemos ser levados. 

A luz cariciosa sobre os lençóis macios, sobre nossos corpos, a mistura de nossos perfumes, o sabor do vinho na boca, a alegria da entrega e do encontro - estavam imortalizados.  Tudo fazia sentido e obedecia a uma sequência de bem estar, dentro da confiança e intimidade consentida.

Tudo foi dando consistência à estória, detalhes, emoções, toques.  Foi sendo formatada, por nós dois, ganhando corpo, movimento e vida, criando memórias para ambos, que ficariam para sempre, mesmo que aqueles momentos nunca mais se repetissem.

Perfeito, não no conceito de perfeição total, inatingível, mas perfeito, na beleza da própria perfeição imperfeita, por sermos pessoas reais, com todas as possibilidades possíveis ao nosso alcance - de acordo com as nossas escolhas.’


Fim

*

Noite após noite, após a casa silenciar, eu reabro a minha oficina, me sento à mesa e volta à nossa estória.  Agora, já não é mais manuscrito despretensioso, cresceu em tamanho e significado, ganhou até uma certa intenção.

Eu releio, revivemos e re_sentimos todas as sensações.  E as suas folhas, merecem uma bela capa, dura e resistente, para mantê-las unidas e ordenadas, protegidas do tempo e da poeira.

O meu desejo de toda noite, é poder abrir a bela capa, a qualquer hora do dia, sem precisar que a casa silencie.  E mais ainda, vivê-la, a estória, fora do livro, fazendo-a realidade, porque talvez, só precisássemos de uma ajudinha do destino, ou de uma conspiração do universo, em nosso favor, para transformá-la em história.

Ora, ora ... não é o que dizem?  que plasmamos nosso futuro?  não seria isso que estou a fazer!?  tentando materializá-lo!?

E mesmo que eu consiga transformá-lo numa história, não vou prescindir, de mantê-la escrita e protegida por uma capa bela e resistente, guardada com muito cuidado.  Haverá novos capítulos a serem escritos, será preciso atualização dos acontecimentos.  Mesmo porque, sempre gostei das palavras e também porque um dia, minha memória pode me trair.









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