segunda-feira, 31 de agosto de 2020

 1212


ISSO POSTO

31/08/20




Ao gosto contraposto, de armas apresentadas,

sucede desgosto anteposto. O metal em pontas reviradas

é um antegosto imposto, de intenções conspiradas.

É sentimento decomposto, por raivas transpiradas.



sexta-feira, 28 de agosto de 2020

 1211

JÁ É TEMPO

28/08/20



Já é tempo de fazer calar a mente.  Cruzar sobre a boca fechada, um grande indicador - em formato de 'xiu', categórico e tácito - mostrando quem manda. Já é tempo, de direcionar as vertentes do pensamento, a terrenos mais férteis.

Lançar palavras a um coração inóspito, é como enterrar sementes boas, em chão pobre de nutrientes.  Por mais que o irriguemos, nada crescerá acima dele. Dentro do charco, aparecerão somente, alguns pontaletes de palafita, que com o tempo vão se tornar esverdeados e pegajosos, impregnados pelos dejetos que boiam em suas águas.



quarta-feira, 26 de agosto de 2020

 1210



LUTO E PERDA

26/08/20

Luto é o período necessário, para se carpir um perda.  Nem à toda perda, corresponde um cadáver. Há perdas que nos fazem entrar num luto, em que não existe um corpo, para chorarmos sobre ele ... nem por isso, é menos triste ou doloroso.

Nesses casos, enterramos as nossas expectativas - a coisa mais inevitável de se ter ... e que tem morte certa, na maioria das vezes.


carpir - arrancar (fios de cabelo ou de barba) em sinal de dor, de sentimento.

 1209


COM QUE MÁSCARA QUE EU VOU?

26/08/20



Há bem pouco tempo, a pergunta era: com que roupa que eu vou?  Devo  me vestir à vontade, ou devo ser formal?  

Na conjuntura atual, ninguém convida mais para um samba ou um café.  Seja para onde for, qualquer roupa serve, porque os lugares são tão poucos, que ninguém notará, se você estiver usando a mesma roupa, ou se não estiver, muito inadequadamente vestido, as prioridades agora são outras.  O importante é ter algum lugar para ir e poder ir.

A questão crucial agora é: qual máscara vou usar? Aquela que não estrangula minhas orelhas? ... aquela que não faz coçar meu nariz? ... aquela que me deixa respirar?   

Ir às compras, passou a significar, ir ao mercado, açougue e farmácia.  Qualquer encontro casual vira um evento.  É! ... os tempos mudaram, mesmo!



terça-feira, 25 de agosto de 2020

 1208


ENQUANTO HÁ

25/08/20



Na surdina, a vida interina anseia sair e se tornar permanente, ela quer ser sentida em plenitude, enquanto há.  Estivera latente, por tempos ... cansada de esperar a chegada cavalaria; da próxima estação: das condições favoráveis, de temperatura e ventos propícios; de caírem os muros; de se abrirem as portas e outros tantos motivos louváveis de procrastinar.

Vida é energia; é água, que se estagna quando parada - em poças escuras e fétidas; é dores, nos músculos e tendões - ao ficarem privados de movimento, impedindo a fluência constante da própria vida, em sua mais importante função - de fazer circular as águas e as emoções; transformando-as em força, ou em movimentos prazerosos ao corpo.

Eu quase sinto! ... Não! ... Eu sinto realmente! ... Sinto formigar as pontas dos meus dedos, como se toda a energia contida, quisesse sair de uma só vez, pelas mãos, através do rompimento da pele, próxima a unha de cada dedo.  Sinto também, os órgãos pulsarem, como se tivera outros corações; o calor vem de um pequeno vulcão, não extinto, que apenas dorme, enquanto mantém quentes, as águas subterrâneas.



segunda-feira, 24 de agosto de 2020

 1207

UMA BOA MEDIDA

24/08/20




Toda falta pede um complemento.  O excesso, sempre escorre entre os dedos e diminui quem recebe.  A medida boa é a certa - de dosagem específica.  A certa, não dói, nem pesa.  



sábado, 22 de agosto de 2020

1206

LACUNA OU FECHO

21/08/20


Engana-se quem pensa que o silêncio é intervalo silencioso, de ar parado, sem  sons que o atravessem.  É nele, que pairam as memórias retumbantes das palavras ditas, mais a intenção daquelas que não foram proferidas.

Pode-se ver, as palavras de costas, se afastando, com fúria gesticulante e indignada, batendo com força, o salto dos seus sapatos, no chão.  Algumas, podemos ver, que nos olham e ainda gritam, com rostos desesperados.  Outras, nada falam, só observam, com ar de desencanto e desesperança.

O silêncio pode ser, ainda, o último recurso, usado como medida extrema, quando as demais tentativas de diálogo falharam; ou até mesmo - ser a própria desistência, em si.  Ele pode representar uma pausa/reticência, ou um ponto final na comunicação - o momento exato, onde se 'joga a toalha'.

De fato, uma imagem é melhor do que mil palavras, mas algumas palavras têm o poder de formatar uma imagem, que dificilmente se apagará.

Eu prefiro pensar, que o silêncio seja um espaço para meditação, de ambas as partes, e que logo mais, o diálogo será retomado.  Digo isso, porque acredito, que dialogar, seja a única forma de alcançarmos uma convivência harmoniosa, onde sempre é possível estabelecermos de comum acordo, as regras que devem prevalecer.  É também, a única maneira de aprendizado e crescimento do ser humano, de como lidar com as arestas particulares de cada um, dentro de um território comum a todos, e que precisa ser partilhado, com educação e respeito. Há que se considerar, o por quê, de uma pessoa assumir a atitude de se calar, depois de um discurso eloquente e enfático.  

Apesar das diferenças entre as pessoas serem inúmeras, são as nossas semelhanças, que devem nos unir - os pontos que temos em comum ... e não as nossas divergências, serem o motivo de nosso afastamento. 

Silêncio pode ser lacuna, onde cabe um 'to be continued' ou pode ser o próprio 'the end', vai depender do grau de maturidade das pessoas envolvidas.



terça-feira, 18 de agosto de 2020

 1205


SE 'SIM' OU SE 'NÃO'

17/08/20



Hoje é um dia daqueles. Não sei se quero ir ou ficar, e na minha inércia, acabo por responder a pergunta que eu mesma formulei - eu fico.  Se me perguntassem: se sim ou se não? ... eu responderia: talvez, ou quem sabe nem respondesse, pois estou momentaneamente, privada da capacidade de decisão.

Nem sei se quero algo doce ou salgado, quente ou frio; se é a minha língua que pede, ou se é a língua de dentro, desejosa de um outro sabor, que exige sentir um gosto diferente.  Isso também desconheço - se sim ou se não.  Não quero comer, embora coma, para depois me arrepender, porque o segundo estômago se encontrará tão vazio, quanto antes esteve, eu sei.  Não é fome, nem vontade de comer de fato, isso é fato.

Hoje ando no meio do ar, sem nada debaixo dos meus pés - dando um salto no vazio ... ou melhor, dando um 'arrasto no vazio' - tal o comprometimento da minha mobilidade.

Quero gritar, mas falta boca para tanto.  Bem provável, que até ele - o grito - me decepcionasse, eu ficaria desapontada com a sua performance, seu agudo ou rouquidão não seriam suficientes de externar o que sinto.  Não grito, nem nada.

Tudo isso é coisa minha, pois passei o dia como outro qualquer.  Mentirosa, eu fiz minhas tarefas, mais o que precisou ser feito, sem que ninguém soubesse do meu estado apático, nem tampouco, suspeitasse do que se passou comigo.

Vivi o dia, com uma estranha dentro de mim e a levarei para a cama, no final dele.  Quero que acabe logo, para encerrar a tortura, pois hoje está sendo demais.  Afinal, nem mesmo eu, me aguento.  Não aguento carregar-me e ainda carregá-la, assim - sem opinião, sem se decidir nas mínimas coisas.  Amanhá, será diferente.  De manhã, acordarei só, na minha cama, sabendo o que quero comer e o que quero sentir, ela terá ido.  Poderão refazer a pergunta - se sim ou se não? ... espero poder responder.



 



quinta-feira, 13 de agosto de 2020

71 


UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

DO BURACO MAIS FUNDO, QUEM É O DONO?

13/08/20



Qual é o buraco mais fundo?  É aquele que nunca poderei encher.  

Então, ele não é meu.  O meu - é só meu - você não pode enchê-lo, porque só eu sei, do que ele pode ser cheio, nunca você.

Por mais que eu tente encher o buraco do outro, ele nunca ficará menor, porque eu o estarei enchendo de coisas, que nem imagino, se são ou não, as necessárias e adequadas.

Só o outro pode encher o seu próprio buraco, porque ele sabe do que carece, do que faltou, do que não recebeu, ou do que não se deu, a si mesmo.  Por mais que se dê a alguém ávido de receber, nunca o preencheremos na totalidade. 

O que falta, a cada um de nós, é coisa pessoal, particular e é um trabalho individual, até que se descubra o que precisamos colocar nele, qual a espécie de acréscimo e em que quantidade, devemos fazê-lo.



 1204

DOIS CÉUS

13/08/20



Há muito tempo, o céu inventou um jeito, de penetrar a terra, sem nem sair do seu lugar.  

Desde que tenha uma boa claridade, ele consegue refletir-se sobre as águas límpidas.  É possível ver pássaros e peixes, nadando juntos e em harmonia, num bailado muito semelhante, um ao outro, sem se tocarem.  As nuvens podem boiar à superfície, sem o perigo de se encharcarem e afundarem.

À noite, o céu invade as mesmas águas, se as estrelas e a lua, conseguem brilhar na escuridão, podem ser vistas, dentro da terra.

Às vezes, o céu chora, quem sabe por quê?  Pra ver-se refletido, em imagem trêmula, nas águas mais agitadas?  Pra torná-las turvas?  Ou pra que ele possa retornar ao seu verdadeiro lugar -  acima delas?



terça-feira, 11 de agosto de 2020

Areia, ventos e tempo

1202


AREIA, VENTOS E TEMPO
11/08/20



Os passos de um homem no deserto, são encobertos pelas tempestades constantes, a qualquer hora do dia. Existe um norte, mas onde ele está?  Estaria fora?  Acima?  Abaixo?  Dentro?  
Onde?  É preciso saber onde procurá-lo.  É a agulha no palheiro do deserto.  Ache a agulha e encontrará o norte.

O mundo não parou de girar, tampouco o tempo se esqueceu de passar. O mundo não acabou e o tempo, ah esse carrasco! ... não se deixa enganar, está a secar as maçãs do rosto, a afrouxar a pele, a nos secar por dentro.

Eu quase sinto pulsar em mim, o abandono, a angústia de estar perdido, em meio as areias fustigantes e às temperaturas oscilantes.  Nada me protege do calor do sol, que resseca meus lábios; nada me aquece, enquanto é escuro.

Os grãos que batem com força, sobre a minha pele desprotegida, a tornam quase inerte.  Só me resta uma pequena e fraca impressão, de que ainda resisto ao rigor do deserto.

Tantos passos serão apagados, quantos eu der, pela inclemência dos ventos. Ficarei sem saber, o quanto ainda me resta da travessia, a ser feita.  Quando olho para trás, já não existem mais, as pegadas, o quanto já caminhei.

Tudo o que peço é um gole de água, um abrigo sob o sol escaldante e um corpo quente, quando a noite vier.




1203


JANELAS LIMPAS

10/08/20




Hoje, quando saí à rua, para algumas compras básicas, um velho conhecido me perguntou: "cadê seus óculos?" e eu respondi: "era a máscara ou os óculos, e como ainda não exigem o uso de óculos, tive que escolher a máscara!"  

Máscara e óculos, são coisas incompatíveis, todos sabem. Acostumada a andar sempre de óculos, geralmente de lentes escuras, que me protegem do sol, agora estou dando um descanso para eles, andando por aí, sem.  Pode parecer estranho, a quem sempre se habituou a me ver escondida atrás deles e está conseguindo enxergar meus olhos, o que antes era impossível. O contrário não se dá comigo, que devido a minha escolha, ando prescindindo dos detalhes que eles me proporcionam, desde que não precise deles, é claro.

Os olhos, têm sido a única parte do rosto, que ainda tem liberdade de ficar exposta.  Não são mais possíveis, as famosas 'palavras jogadas ao vento', porque elas ficam mesmo, é presas e amontoadas, na parte interna da máscara, e lá, sem dúvida alguma, não entra nem sai uma gota de vento . Muitas delas - as palavras,  se perdem na linha de comunicação. 

A eloquência da vez, não é a da voz, é a dos olhos, que devem ser muito mais convincentes, no que precisam expressar, no que precisa ser dito, pois não podem mais contar com a assertividade do discurso. Se antes, o olhar era importante, hoje é tudo o que temos, para nos comunicarmos com o mundo. 

Cuidemos bem deles, ou delas - nossas janelas, para que conservem a transparência, por ora exigida!


arte | nina de san

sábado, 8 de agosto de 2020

1201


INSPIRAR 

08/08/20




Do suave vagar das horas, ao resplendor das auroras

me tens como refém.  Tua beleza me retém

em infinda indulgência.  Fica clara a eminência

de serena contemplação, de sorver-te por instilação.

Inspiro as tuas beldades, traduzo-as em minhas verdades

nas palavras descompassadas, com rimas engessadas!


Fazes sinfonia de finos acordes, tens geleiras abrindo fiordes!

Com ouvidos e olhos pequenos, ignoro os segredos terrenos

desde as tuas entranhas, até as mais novas façanhas!


 

 

vagar - vaguear, flutuar

indulgência - clemência, misericórdia

eminência - (aqui) importância

instilação - introduzir gota a gota

descompassadas - (aqui) não traduzem a verdade

engessadas - (aqui) artificiais, fingidas

fiordes - entrada de mar entre montanhas rochosas

 


1200


JOGO E ARTE

08/08/20

 

Tenho olhos despertos, além do que eu gostaria de ter.   A luz da realidade, quando os atravessa, fere as minhas retinas, causando-me um olhar seco – secura, que transfiro ao meu discurso.

Se a vida não joga dados, também não usa bilros, para fazer desenhos bonitinhos e perfeitos.  Tem dias, em que acho que ela é um misto dos dois, jogo e arte, mas no restante deles, eu nem sei dizer o que ela é.

Em algumas manhãs, tenho a sensação de ter dormido numa cama de palha, rude e mais curta do que eu, embora nunca tenha dormido numa.

Não posso responsabilizar-me pela inércia alheia, embora invariavelmente, tenha que sofrer-lhe as consequências e desdobramentos.  Nesses casos, nem jogar, nem bordar, nem qualquer outra ação, me ocorre executar!




quinta-feira, 6 de agosto de 2020

1199

POR UM POUCO MAIS DE NITIDEZ
06/08/20



Quando eu escrevo, eu o faço por mim mesma, para aliviar a pressão que o pensamento exerce sobre o limite das paredes internas, até que as ideias se deitem no papel.  Não o faço para agradar a ninguém.

Vez ou outra, pode acontecer, que o que eu expurgo, da divagação mental que me acomete, sirva de conforto ou provocação a alguém.  Nunca é essa, a minha intenção.

Escrevo por puro egoismo, de ver o pensamento concretizado em letras e fonemas, palavras com sentido.  É meu instinto de saber, o que vai dentro de mim ... e assim, conhecer-me, um pouco mais, a quantas ando, procurando manter-me, o mais próximo possível da sanidade.  Descobrir e tomar a profunda consciência, de quem é esse ser que habita o meu corpo, que se serve do meu cérebro e das minhas demais partes, para se expressar e se relacionar como gente.

É assim que vou me conhecendo, reconhecendo, um pouco mais, como se limpasse o embaço do espelho, para melhor visualizar, a imagem nele refletida.


1198

ALÉM DO IMPOSSÍVEL
06/08/20




A ideia de hoje é essa.  Existe uma barreira real, categórica e ostensiva, feita de material resistente, não suscetível às vontades e poderes humanos, de encontrar-lhe uma fraqueza, brecha, para poder transpô-la.  É um totem, grandioso em tamanho e consistência, ao qual não se pode ultrapassar.

Em sua base, logo acima do chão, dispostos ao redor da face que podemos ver, estão alguns cadáveres, que sucumbiram na tentativa de atingir tal façanha.  Um amontoado de ossos, que não são mais nada, além de acúmulo de matéria orgânica, elementos químicos, em lenta decomposição.

A prepotência humana é um deles, quando não reconhece sua pequenez diante do impossível, e teima em desafiar o poder de resistência, do colossal gigante. 


1196

O REAL E SUAS VARIÁVEIS
10/08/20 




Só depois de atingirmos um certo grau de maturidade, é que conseguiremos reconhecer, a verdadeira estatura de nossos pais, que é moral, muito antes de ser física.

Quando retirarmos dos nossos olhos, as lentes de aumento, que nos fazem do tamanho de nossos pais, e que nos colocam no mesmo nível deles.  Junto com as lentes, devem ir também, a toga e o martelo do julgamento - a necessidade de reescrevermos a história, já escrita, com a qual não concordamos em alguns aspectos.

Aprenderemos que o nosso lugar não é ao lado deles, mas num patamar abaixo, porque eles são os grandes e nós os pequenos - mesmo que hoje não conservem a mesma autonomia e demandem o nosso apoio.  É importante lembrar que eles vieram primeiro, e não precisaram de nós para tanto.  Acordamos para a realidade de construirmos um novo patamar, para nós, imediatamente abaixo, daquele em que eles permanecerão, para sempre.

Quando vivenciamos as situação, às vezes parecidas, com as que eles viveram, e  podemos fazer escolhas distintas das deles, é  porque encontramos um terreno preparado, trilhado por eles, bem antes da nossa passagem, que nos possibilitasse seguir por caminhos diferentes.

O ideal sempre anima as ações humanas, mas as intenções raramente, são 100% atingidas.  A teoria é bem menos complicada que a prática, porque tem muito menos variáveis.


1197

DO ÚLTIMO AO PRIMEIRO
06/08/20


Eu amei demais, muito mais do que a mim mesma - esse, o primeiro erro.  Eu me deixei conduzir por caminhos inusitados, que me levaram a lugares pequenos, nos quais eu não cabia.  Fui me livrando de alguns pedacinhos, deixados à margem e me afastando, cada vez, para mais longe de mim.

Foi como assistir a um filme, contado em muitos episódios, que em determinado momento, o enredo descamba.  Já não me causa a mesma empolgação, sem cumplicidade e conexão com os personagens, dá para perceber, que se desenrola numa nítida intenção, de 'cozinhar' a minha atenção, como expectadora.

É quando a trama perdeu o encanto de uma história verossímil, aos poucos foi diminuindo o meu envolvimento e a minha fidelidade - tornando-se desinteressante.  

Passei, a viver para fora, mas agora não há mais - 'fora' ... e 'dentro', já não há vida!

Tristemente, obrigo-me a fazer o caminho de volta, recolhendo meus pedacinhos e quando os tiver - todos, do último perdido, até o primeiro - faço um mosaico com eles ... e só desse jeito, é que saberei, se estou inteira.


arte | agnes cecile

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

258

PRIMÓRDIOS E CONFINS
03/08/20




Um grito rouco, se embrenha pelo meu peito, rasgando a carne e deslocando os ossos, como se rasgasse a mata fechada.  

Parece que é vindo de fora, mas é de dentro que irrompe, surge mudo e gutural, fere as cordas vocais, os tímpanos, vem das profundezas abissais, das contorções das tripas e nervos. Chega aos meus primórdios, ou aos meus confins, sei lá!  

Ultrapassa as barreiras dos sons que ecoam dentro de mim, atravessa toda a minha natureza, batendo no núcleo de cada célula, com a mesma gana impotente, reverberando por todas as soluções aquosas e tecidos moles. Continua gritante e perpassa a tudo que é vivo e sensível, com o mesmo ímpeto.

Chega ao outro lado do planeta, intacto, com a mesma frequência e volume.


1195


DEUS ME LIVRE 
03/08/20



Meu maior temor, não é deixar de corresponder às expectativas de fora, porque a essas, ninguém consegue mesmo, retribuir de forma equivalente.

O grande pavor, é desconhecer-me nas minhas mais profundas partes, aquelas que nem sequer pressuponho que coabitem, junto às conhecidas ... e assim desperdiçar a chance de saber, a quê eu vim.

Ficaria a ignorar a minha mais bela face, a nuance mais pura, a pior e a mais sórdida, e mesmo que não conhecesse tudo ... porque tudo é muita coisa; se ninguém conseguisse me entender, não seria minha culpa. Desconhecer-me, isso sim, teria sido de minha inteira responsabilidade.  Frustrar as minhas expectativas, é negar e negligenciar as minhas necessidades de ser humano. 

Não quero amargar o fato, de ter raízes presas a vasos pequenos, ou ramas podadas, por não caberem no espaço limitado em que vivi.  Eu me odiaria, se soubesse, que não pude florir por falta de sol.  Eu preciso saber, qual é o espaço adequado ao meu crescimento.

No lugar de asas, temos o pensamento, o raciocínio, a vontade.  Temos as mãos, temos os braços feitos no comprimento exato (quando esticados), da distância que nos permite, girar sobre nossos pés, sem esbarrar em ninguém, e que nos dão a garantia de individualidade.  As palavras proferidas por nós, devem guardar coerência e sentido, em primeiro lugar, com o que pensamos e o que sentimos.

Quanto aos demais, não importa! Tenho medo, é de passar despercebida de mim mesma, de não ser famosa dentro do meu próprio enredo, de não ser prioridade minha - e de não ser honesta comigo mesma, antes de aparentar honestidade aos outros.

Deus me livre do cilício silencioso, dos boicotes com cara de 'coisa certa' (feitos à minha pessoa), dos 'nãos' cortantes, disfarçados de sim, que dou aos outros.  Eu, como minha maior inimiga.

O mal que me façam, não é tão afiado, quanto o mal, ao qual eu me permito submeter.



arte | amanda cass

sábado, 1 de agosto de 2020

1194
UMA BELA CAPA 
01/08/20




No começo, como sempre, faço um esboço rudimentar e despretensioso.  Toda ideia nasce incerta e um pouco frágil, dentro da cabeça.  É lá que a escrevo, antes de tudo.

Estória, não é uma coisa que se possa escrever, como se toca um piano, a uma, duas, três, quatro mãos.  Só pode ser escrita, por uma única mão, mas nunca construída por uma só pessoa.

Quase tudo é real, pessoas, local, tempo e circunstâncias, até um certo ponto da narrativa.

Alguns podem entendê-la, como sendo um delírio ou alucinação de minha parte; mas eu prefiro considerá-la, como fruto de minha imaginação, além da conta de fértil.  Mas reservo-lhes o direito de pensarem o que quiserem.

Acrescento, que ela é sobre duas trajetórias diferentes, que em algum ponto, se cruzam em tempo, lugar e situação idênticos, mas sem nomes e datas.

Esta estória, em sendo, reais as pessoas, estão sujeitas às reações humanas, e portanto, é perfeitamente plausível, passível e possível, de se tornar bem interessante.

Como disse, a sua construção, não se deu apenas pela minha atuação 'solo', há a participação de uma segunda pessoa, e é com a sua permissão que a escrevo.


*

PREFÁCIO

Depois que a casa silenciou e eu fechei meus olhos (ou não), sentei-me à mesa de madeira, que uso para esse fim, e de posse da caneta, comecei a trabalhar sobre as folhas em branco.  Cabe dizer, que esse lugar é dentro da minha cabeça - um lugar seguro para as minhas ideias, antes do seu nascimento.  Embora isso se dê dentro da cabeça, nunca excluo, nenhuma parte ou sensação do resto do meu corpo.

Na primeira noite, escrevi uma ou duas páginas; alguns parágrafos, os reli; fiz uma alteração, aqui, ali; risquei alguns trechos; substitui algumas palavras, não para ser convincente, mas para me fazer entender.



A ESTÓRIA 

‘Sinto o farfalhar de meu vestido esvoaçante, ao caminhar, afinal é dia de festa!  Tomo a direção contrária, do que se esperaria que tomasse - a festa.  Ouço o barulho dos meus passos, do salto fino de minhas sandálias, batendo forte no chão, em ritmo tranquilo e decidido.

Parada à porta, percebo o ambiente acolhedor, uma atmosfera aconchegante, de luz indireta e tenho uma calorosa recepção, daquela que se oferece, a quem se espera, há muito.

Ele me toma pelas mãos, dando fim à inércia que me conserva imóvel, levando-me para dentro.  Oferece-me uma taça de vinho branco, porque afinal é festa!  Conversamos, não com velhos amigos, porque não o somos, mas como conhecidos profundos, porque não chegamos a ser velhos, de fato, pois faz apenas um ano, que nos conhecemos.  E além do mais, conhecer alguém, nada tem a ver com o tempo de conhecimento, mas com a sinceridade e coragem nos diálogos.

O tempo passa agradável, sinto-me em segurança e certa, de que é, a companhia ideal, lugar e momento exatos, em que quero estar e ficar.

Dançamos de rosto colado, pele com pele, porque concordamos, que dançar juntinho, uma boa música, é a metade da sedução. Dançar é cortar amarras, é estabelecer vínculos de liberdade e prazer; é sermos um só ser, apreciando e sentindo a música, deixando que ela nos leve ... e ela nos levou, porque quisemos ser levados. 

A luz cariciosa sobre os lençóis macios, sobre nossos corpos, a mistura de nossos perfumes, o sabor do vinho na boca, a alegria da entrega e do encontro - estavam imortalizados.  Tudo fazia sentido e obedecia a uma sequência de bem estar, dentro da confiança e intimidade consentida.

Tudo foi dando consistência à estória, detalhes, emoções, toques.  Foi sendo formatada, por nós dois, ganhando corpo, movimento e vida, criando memórias para ambos, que ficariam para sempre, mesmo que aqueles momentos nunca mais se repetissem.

Perfeito, não no conceito de perfeição total, inatingível, mas perfeito, na beleza da própria perfeição imperfeita, por sermos pessoas reais, com todas as possibilidades possíveis ao nosso alcance - de acordo com as nossas escolhas.’


Fim

*

Noite após noite, após a casa silenciar, eu reabro a minha oficina, me sento à mesa e volta à nossa estória.  Agora, já não é mais manuscrito despretensioso, cresceu em tamanho e significado, ganhou até uma certa intenção.

Eu releio, revivemos e re_sentimos todas as sensações.  E as suas folhas, merecem uma bela capa, dura e resistente, para mantê-las unidas e ordenadas, protegidas do tempo e da poeira.

O meu desejo de toda noite, é poder abrir a bela capa, a qualquer hora do dia, sem precisar que a casa silencie.  E mais ainda, vivê-la, a estória, fora do livro, fazendo-a realidade, porque talvez, só precisássemos de uma ajudinha do destino, ou de uma conspiração do universo, em nosso favor, para transformá-la em história.

Ora, ora ... não é o que dizem?  que plasmamos nosso futuro?  não seria isso que estou a fazer!?  tentando materializá-lo!?

E mesmo que eu consiga transformá-lo numa história, não vou prescindir, de mantê-la escrita e protegida por uma capa bela e resistente, guardada com muito cuidado.  Haverá novos capítulos a serem escritos, será preciso atualização dos acontecimentos.  Mesmo porque, sempre gostei das palavras e também porque um dia, minha memória pode me trair.









1193

DE TODAS ELAS 
01/08/20






De todas as estrelas
do mar e do céu
de sal e daquelas
que enfeitam o véu
mais as da terra
da planície e da serra
tomei à força, o brilho!
E presas por um cadilho
iluminam meu caminho
com fulgor circunvizinho!


cadilho - fio de tecido
fulgor - clarão
circunvizinho - adjacente

arte | christian schloe

1192


A CASA 
01/08/20



A casa parecia pequena,
nem mesmo ele, nela cabia.
Sua cabeça dormia na pia,
os membros tinham gangrena.
Seu ego era tamanho!
Muito, mas muito distendido!
Seu humor, bem tacanho!
Acocorado e espremido
vivia por lá, esquecido!

Quem por acaso, se atrevesse,
desejar e tentar, nela adentrar,
era comum, a casa defenestrar!
Mesmo, que ao aperto suportasse,
não encontraria nenhum conforto,
seria cuspido, como resto de aborto!



defenestrar - atirar janela afora, violentamente

arte | jamie heiden
1191

DO JARDIM DE CLARICE
01/08/20




"naquela terra, eu literalmente nunca pisei, fui carregada de colo."


Talvez, ela só quisesse falar das dores de todas as 'marias', 'teresas' e 'antônias'; mas acabou falando das dores de todos os 'joões', 'paulos' e 'pedros'.

Quando Clarice falava de 'clarice', falava sobretudo de Chaya, que havia ficado na Ucrânia, para que Clarice, pudesse aqui florescer.

Nascera munida de um agente transformador.  Amante das palavras e conhecedora da importância delas, fora a porta voz da humanidade, isenta de gênero, cor ou crença.

Levantara bandeiras, gritara frases, ideias inteiras, seus escritos são testemunhos vívidos, deixados à posteridade, filhos nascidos da transpiração de sua alma, frutos belos em seu azedume e amargor, que esperam o tempo, para se tornarem doces.

Ao expor suas feridas, sem o saber, permitiu que muitos reconhecessem suas próprias dores e buscassem  a cura.

Ao gritar suas incertezas, fez com que outros tantos, encontrassem suas próprias respostas.

Para sempre Lispector!



Homenagem à Clarice, Lispector

1190

PATOS E CISNES
01/08/20



 


Quando meu filho, era ainda bem pequeno, eu me lembro, de que sempre me perguntava as mesmas coisas, enquanto eu esperava que dormisse - ele torcia uma mecha do seu cabelo, entre seus dedinhos, fazendo um rococó.  

Essa era a nossa conversa:
"Mãe, eu sou um patinho feio?" ...  "não filho, você é um cisne!"  ... "eu sou um 'cines', mãe?"  ... "sim filho, você é!"
E eu falava pra ele: "fecha o olho, que o soninho vem!" ... ele me dizia: "não mãe! ... eu quero ver o soninho!"  Então essa conversa profunda, só terminava quando o cansaço o vencesse.  

Tudo isso é pura introdução, uma lembrança fortuita que tive (aqui, totalmente desnecessária), nada tem a ver com o que virá a seguir, exceto que falarei de patos e cisnes.

*

Vou tentar desenhar aqui uma imagem, uma espécie de revés da estória original, que todos conhecem - o patinho feio.  Tal imagem, não se aplica a essa minha lembrança ou ao meu filho, mas me fez pensar de uma forma diferente, a respeito da estorinha infantil.

Não quero dizer, que nenhum animal da criação de Deus seja feio, mas nessa minha versão, esse 'patinho', tendo vivido a sua vida toda, entre os patos, se acha acima do padrão de beleza, com o qual se acostumou.  Sua estória é parecida com a do narciso, julga-se mais do que é.

Na estória original, existe um patinho que é feio, para os padrões dos 'patos", mas ele é um cisne.

Pois bem, podemos ter a primeira interpretação: um cisne, criado como pato, que um belo dia, se reconhece como um verdadeiro cisne - belo e majestoso.  Ou ainda, numa segunda visão: a figura do patinho significando a simplicidade e inocência, de um ser que almeja aperfeiçoar-se, a ponto de se transformar em cisne.

Na minha estória, o 'patinho' é pato mesmo, mas se julga um cisne, tem um delírio visual ou coisa assim, quando vê seu reflexo na água, e acha que, como já é majestoso e perfeito, não precisa se esforçar em melhorar-se.  Ao contrário do patinho da primeira estória, que um dia se reconhecerá cisne, o patinho da segunda, será sempre um pato. 






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UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO
CERCAS, VIZINHOS E CONVIVÊNCIA
01/08/20



 
cerca - divisão, proteção, resguardo
vizinho - adjacente, próximo
convivência - convívio, camaradagem


Cercas são barreiras físicas, que separam e delimitam um território, mantendo-o em segurança, a salvo das investidas indesejáveis.  Assim são os limites, em relação à convivência, que devemos impor ao comportamento das outras pessoas, quando este nos afeta demais e infringem a nossa integridade e dignidade.  Estabelecemos, até onde elas podem ir, uma linha firme, além da qual, ninguém deve ultrapassar.  

Ter alguém pisoteando nosso jardim ou horta, sem permissão; ou adentrando a nossa casa, no meio da noite, tirando-nos da cama, sem avisar - é no mínimo, uma falta de respeito, para com a nossa vontade e privacidade.  

Limites saudáveis, são também necessários, para os relacionamentos interpessoais de todos os tipos - devem ser estabelecidos entre as partes.  Do contrário, quando os limites não ficam muito claros, ou frouxos e largos demais, corremos o risco, de não conseguirmos recolocar as velhas estacas de madeira, que sustentarão o arame farpado da cerca.  Dessa forma, reivindicarmos a nossa posse e restabelecer nosso território, pode ser um trabalho muito mais árduo do que se imagina.  O que quero dizer é que, algumas pessoas são invasivas por natureza e costumam não respeitar limites alheios, nesses casos é necessário um vigor determinado, para desenharmos um contorno seguro à nossa personalidade.

Não há nenhum problema, em oferecermos uma flor ou fruta do nosso quintal; nem recepcionarmos uma pessoa em nossa casa, com todo o carinho - desde que realmente, seja isso que queiramos fazer.

Boas cercas, fazem mesmo, bons vizinhos, geográfica e emocionalmente falando, para que o gado do vizinho não venha comer do meu pasto, nem que eu tenha minha individualidade ameaçada.