Fragmentos - 330
De prosa com o Jeca
Havia
passado por lá, apenas pra tirar umas fotos, como sempre faço em minhas
caminhadas, gosto de fotografar a natureza, assim posso levá-la comigo e olhar
pra ela mesmo estando longe dela.
Dessa
vez, minha intenção era ‘capturar’ a praça vazia ... entrei no páteo e vi que
ele estava na porta de sua casa humilde, bem ao lado do monjolo. Não esperava encontrá-lo. Ele ‘jogava conversa fora’ – como ele mesmo
diz – com um conhecido da cidade.
Assim
que cheguei, o Jeca me ofereceu café quentinho, do bule azul, em cima do fogão
à lenha ... mais broa de milho, ainda quente também. Aceitei o café, recusei a broa, pois já havia
tomado meu café da manhã e estava só de passagem mesmo!
Ele
me serviu o líquido preto e forte, numa canequinha colorida – havia muitas,
vermelhas, brancas, azuis, enfileiradas como se esperasse muita gente. Brindamos, como gente chique. Ele mordiscou uma broa, e pra que pudesse
continuar falando, guardou-a no bolso da camisa xadrez que usava. De vez em quando, ele dava uma nova mordida
nela e guardava de novo.
Depois
que tomei o café, perguntei? Onde deixo
a caneca? E ele respondeu : “Póde botá
ela de bunda pra baxo ... é anssim ... de bunda pra cima - póde usá ... de bunda pra baxo - num póde, tem
bicho.”
Começou
a contar uma piada ingênua, aparentemente, mas só Deus sabia onde podia
dar! Depois, foi se aprofundando nas
coisas da vida, usando palavras adaptadas à sua simplicidade.
Contou
a estória de uma mulher que levou o marido no ‘pissicóli’* ... nem lembro mais
do desfecho.
Eu
dei ‘corda’ pros seus ‘causos’.
O
assunto enveredou pra falar de um homem não muito chegado em mulher. E eu lhe disse que tomasse cuidado, porque
podia ser considerado ‘homofóbico’! Aí,
ele se espantou, e perguntou: “E o qui é, qui é isso?”
Tentei
explicar, que é aquele homem que se incomoda muito com o outro homem que não
gosta de mulher, que critica e faz gozação disso, que na verdade tem medo de
ser igual, de ter um pé nessa vontade.
Não
sei se ele entendeu, pela cara que fez, acho que sim, mas não conseguiu repetir
a palavra.
Tentei
então, fazê-lo soletrar, sílaba à sílaba. E disse, fala junto comigo:
HOO
... e ele “ho”,
eu:
MOO ... e ele “MO ... sabão de lavá ropa”.
Eu
disse, não acabou ... agora diga: FÓ ... ao que ele respondeu: “isso é feio”.
Eu
novamente: BII ... e ele: “BI”.
Eu
de novo: COO ... ele: “CO”.
No fim, ele nem
se atreveu a juntar as 5 sílabas, mas foi muito engraçado.
Antes de ir embora, percebi que o seu
chapéu de palha estava roto, bem na parte da frente que deveria cobrir o rosto,
a trama estava falhada. Isso fez com que
o sol tivesse queimado a região do seu nariz.
Eu
lhe perguntei: o que você estava fazendo Jeca?
Ele me disse: “tava na roça”.
Eu quiz saber, capinando Jeca?
Ele:
“naum, oiando! ... pruquê quando nóis tem que bebê, nóis bebe ... quando nóis
tem que comê, nóis come e quando nóis tem que trabaiá, nóis discansa!”
Saí
de sua casa melhor do que quando entrei!
* pissicóli - psicólogo
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