A INVEJA, SEGUNDO RUBEM ALVES
Gosto de tomates. Resolvi plantar uns tomateiros lá
em Pocinhas do Rio Verde (MG). Amadureceu o primeiro tomate, todo vermelho, com
exceção de um pontinho preto na casca. Nem liguei para o ponto preto. Colhi o
tomate e me preparei para comê-lo. Dei a primeira dentada e cuspi. O que havia
dentro dele era um verme branco, grande, enrugado, gordo por haver comido toda
a polpa do tomate.
Foi essa a imagem que me veio à memória quando me
preparava para falar sobre o mais terrível de todos os demônios. Ninguém
suspeita. Ele vai comendo por dentro as coisas boas que crescem no nosso
quintal. Eu sempre digo: demônios fazem ninhos no corpo. Cada um tem sua
preferência. Neste caso a que me refiro, o demônio faz seu ninho nos olhos. E
ele não gosta de coisas ruins e feias. Como o verme, ele prefere os tomates.
Gosta de coisas bonitas. E o resultado é que, quando uma coisa bonita que
cresce no nosso quintal (note bem: o demônio só faz sua obra no nosso quintal)
é tocada pelo olho onde mora o verme ela imediatamente murcha, apodrece, cai. E
aí vêm as moscas.
O demônio que se aloja nos olhos se chama inveja.
Inveja vem do latim invidere que, segundo o dicionário Webster, quer dizer
“olhar pelos cantos dos olhos”. Inveja não olha de frente. Quem olha de frente
tem prazer no que vê. Quem olha de lado olha com olho mau.Olho mau, olho gordo:
muita gente tem medo desse olhar. Não precisa. O verme da inveja nunca faz nada
com os tomates da horta alheia. Ele só come os tomates da horta da gente.
Explico: Fernando Pessoa diz que a inveja “dá
movimento aos olhos”. Olho de inveja não olha numa direção só. Lembre-se do que
eu disse: que o olho onde se aninha o verme da inveja só gosta de ver coisas
bonitas. Então é assim que acontece.
Eu tenho um belo tomate crescendo no meu quintal. É
certo que não há vermes dentro dele. Vai dar uma deliciosa salada. Mas antes,
vou mostrar o meu tomate para meu vizinho… Um pouco de exibicionismo faz bem
para o ego. Mas aí eu olho para o quintal do vizinho. Ele também cultiva
tomates. Vejo o tomate que cresce no tomateiro dele. Lindo! Vermelhíssimo, mais
bonito que o meu. É nesta hora que o verme entra no meu olho. Meus olhos se
movimentam. Voltam-se para o meu tomate que era minha alegria e orgulho. Já não
é mais. Vejo-o agora mirrado, pequeno murcho. E ele corresponde: apodrece
repentinamente e cai… Perdi o prazer da minha salada.
Esse movimento dos olhos é a maldição da comparação.
Quando eu comparo o meu ‘bom-bom-mesmo-mais-que-suficiente-para-me-fazer-feliz”
com o “bom” maior do outro, fico infeliz. E o que antes me dava felicidade
passa a me dar infelicidade. Com a comparação tem início a infelicidade humana.
Isso acontece com tudo. Comparo minha casa, meu carro, minhas roupas, meu
corpo, minha inteligência e até mesmo meu filho.
Frequentemente os filhos são vítimas no jogo de
inveja dos seus pais. Aquele meu filho, que é a minha alegria, delícia de
criança, com um jeitinho só dele e que me encanta… Mas o filho do vizinho tira
notas mais altas que o meu, é campeão de natação, é mais forte, mais alto e não
é gordinho… Então, meu olho se movimenta e o verme se aninha. E se dá o mesmo
com meu tomate: apodrece.