sábado, 8 de outubro de 2016



SÍNDROME DE VÍTIMA: A INCAPACIDADE DE ACEITAR O MUNDO COMO ELE É 


Antônio Roberto Soares








Todo o comportamento humano decorre da concepção que nós temos da realidade e nessa realidade existem dois pólos bastante distintos: aquilo que nós somos e aquilo que nos cerca. 


Nossa postura na vida depende do modo como estabelecemos essa relação: a relação entre nós e os outros, entre nós e os membros da nossa família, entre nós e outros membros da sociedade, entre nós e as coisas, entre nós e o trabalho, entre nós e a realidade externa. 


A nossa maneira de sentir e de viver depende de como cada um de nós interioriza a relação entre essas duas partes da realidade. E uma das formas que aprendemos de nos relacionarmos com os outros é a postura que designamos por vítima. 


O que é a vítima? 


A vítima é a pessoa que se sente inferior à realidade, é a pessoa que se sente esmagada pelo mundo externo, é a pessoa que se sente desgraçada face aos acontecimentos, é aquela que se acostuma a ver a realidade apenas em seus aspectos negativos.


Ela sempre sabe o que não deve, o que não pode, o que não dá certo.


Ela consegue ver apenas a sombra da realidade, paralelo a uma incrível capacidade para diagnosticar os problemas existentes. 

Há nela uma incapacidade estrutural de procurar o caminho das soluções e, neste sentido, ela transfere os seus problemas para os outros; transfere para as circunstâncias, para o mundo exterior, a responsabilidade do que está lhe acontecendo. 

Esta é a postura da justificativa. Justificar-se é o sinal de que não queremos mudar. 

Para não assumirmos o erro, justificamo-nos, ou seja, transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em justificativa, paralisamo-nos, impedindo-nos de crescer. 

A vítima é incompetente na sua relação com o mundo externo. Enquanto colocarmos a responsabilidade total dos nossos problemas em outras pessoas e circunstâncias, tiraremos de nós mesmos a possibilidade de crescimento. 

Em vez disso, vamos procurar mudar as outras pessoas. Este tipo de postura provém do sentimento de solidão. 

É quando não percebemos que somos responsáveis pela nossa própria vida, por seus altos e baixos, seu bem e seu mal, suas alegrias e tristezas; é quando a nossa felicidade se torna dependente da maneira como os outros agem. 

E como as pessoas não agem segundo nosso padrão, sentimo-nos infelizes e sofredores. 

Realmente, a melhor maneira de sermos infelizes é acreditarmos que é à outra pessoa que compete nos dar felicidade e, assim, mascaramos a nossa própria vida frente aos nossos problemas. 

A postura de vítima é a máscara que usamos para não assumirmos a realidade difícil, quando ela se apresenta. É a falta de vontade de crescer, de mudar, escondida sob a capa da aparição externa. 

Essa é uma das maiores ilusões da nossa vida: desejarmos transferir para a realidade que não nos pertence, sobre a qual não possuímos nenhum controle, as deficiências da parte que nos cabe. 

Toda relação humana é bilateral: nós e a sociedade, nós e a família, nós e o que nos cerca. 

O maior mal que fazemos a nós próprios é usarmos as limitações de outras pessoas do nosso relacionamento para não aceitarmos a nossa própria parte negativa. 

Assim, usamos o sistema como bode expiatório para a nossa acomodação no sofrimento. A vítima é a pessoa que transformou sua vida numa grande reclamação. 

Seu modo de agir e de estar no mundo é sempre uma forma queixosa, opção que é mais cômoda do que fazer algo para resolver os problemas. 

A vítima usa o próprio sofrimento para controlar o sentimento alheio; ela se coloca como dominada, como fraca, para dominar o sentimento das outras pessoas. 



O que mais caracteriza a vítima é a sua falta de vontade de crescer. 

Sofrendo de uma doença chamada perfeccionismo, que é a não aceitação dos erros humanos, a intolerância com a imperfeição humana, a vítima desiste do próprio crescimento. 

Ela se tortura com a ideia perfeccionista, com a imagem de como deveria ser, e tortura também os outros relativamente àquilo que as outras pessoas deveriam ser. 

Há na vítima uma tentativa de enquadrar o mundo no modelo ideal que ela própria criou, e sempre que temos um modelo ideal na cabeça é para evitarmos entrar em contato com a realidade. 

A vítima não se relaciona com as pessoas aceitando-as como são, mas da maneira que ela gostaria que fossem. 
É comum querermos que os outros sejam aquilo que não estamos conseguindo ser, desejar que o filho, a mulher e o amigo sejam o que nós não somos.

Colocar-se como vítima é uma forma de se negar na relação humana. 

Por esta postura, não estamos presentes, não valemos nada, somos meros objetos da situação. 

Querendo ser o todo, colocamo-nos na situação de sermos nada. Todavia, as dificuldades e limitações do mundo externo são apenas um desafio ao nosso desenvolvimento, se assumirmos o nosso espaço e estivermos presentes. 

Assim, quanto pior for um doente, tanto mais competente deve ser o médico; quanto pior for um aluno, mais competente deve ser o professor. 

Assim também, quanto pior for o sistema ou a sociedade que nos cerca, mais competentes devemos ser com pessoas que fazem parte desta sociedade; quanto pior for nosso filho, mais competentes devemos ser como pai ou mãe; quanto pior for a nossa mulher, mais competentes devemos ser como marido; quanto pior for nosso marido, mais competentes devemos ser como esposa, e assim por diante. 

Desta forma, colocamo-nos em posição de buscar o crescimento e tomamos a deficiência alheia como incentivo para nossas mudanças existenciais. Só podemos crescer naquilo que nós somos, naquilo que nos pertence. 

A nossa fantasia está em querermos mudar o mundo inteiro para sermos felizes. 

Todos nós temos parte da responsabilidade naquilo que está ocorrendo. 

Não raras vezes, atribuímos à sociedade atual, ao mundo, a causa de nossas atribulações e problemas. 

Talvez seja esta a mais comum das posturas da vítima: generalizar para não resolver. 

Os problemas da nossa vida só podem ser resolvidos em concreto, em particular. 

Dizer, por exemplo, que somos pressionados pela sociedade a levar uma vida que não nos satisfaz, é colocar o problema de maneira insolúvel. Todavia, perguntar a nós mesmos quais são as pessoas que concretamente estão nos pressionando para fazer o que nos desagrada, pode ajudar a trazer uma solução.

Só podemos lidar com a sociedade em termos concretos, palpáveis. 

Conforme nos relacionamos com cada pessoa, em cada lugar, em cada momento, estamos nos relacionando com a sociedade, porque cada pessoa específica, num determinado lugar e momento, é a sociedade para nós naquela hora. 

Generalizamos para não solucionarmos, e como tudo aquilo que nos acontece está vinculado à realidade, todas as vezes que quisermos encontrar desculpas para nós basta olhar a imperfeição externa. 

Colocar-se como vítima é economizar coragem para assumir a limitação humana, é não querer entender que a morte antecede a vida, que a semente morre antes de nascer, que a noite antecede o dia. 

A vítima transforma as dificuldades em conflito, a sua vida num beco sem saída. 

Ser vítima é querer fugir da realidade, do erro, da imperfeição, dos limites humanos. 

Todas as evidências da nossa vida demonstram que o erro existe, existe em nós, nos outros e no mundo.

Neurótica é a pessoa que não quer ver o óbvio. 

A vítima é uma pessoa orgulhosa que veste a capa da humildade. 

O orgulho dela vem de acreditar que ela é perfeita e que os outros é que não prestam.

Crê que se o mundo não fosse do jeito que é, se sua esposa não fosse do jeito que é, se seus filhos não fossem do jeito que são, se o seu marido fosse diferente, ela estaria bem, porque ela, a vítima, é boa, os outros é que têm deficiências, apenas os outros têm que mudar. 

A esse jogo chama-se o "Jogo da Infelicidade". 

A vítima é uma pessoa que sofre e gosta de fazer os outros sofrerem com o sofrimento dela, é a pessoa que usa suas dificuldades físicas, afetivas, financeiras, conjugais, profissionais, não para crescer, mas para permanecer nelas e, a partir disso, fazer chantagem emocional com as outras pessoas. 

A vítima é a pessoa que ainda não se perdoou por não ser perfeita e transformou o sofrimento num modo de ser, num modo 
de se relacionar com o mundo. 

É como se olhasse para a luz e dissesse: "Que pena que tenha a sombra...", 

é como se olhasse para a vida e dissesse: "Que pena que haja a morte...", 

é como se olhasse para o sim e dissesse: "Que pena que haja o não..."

E se nega a admitir que a luz e a sombra são faces de uma mesma moeda, que a vida é feita de vales e de montanhas. 

Não são as circunstâncias que nos oprimem, mas, sim, a maneira como nos posicionamos diante delas, porque nas mesmas circunstâncias em que uns procuram o caminho do crescimento, outros procuram o caminho da loucura, da alienação. 

As circunstâncias são as mesmas, o que muda é a disposição para o alvorecer e para o desabrochar, ou para murchar e fenecer. 



Antônio Roberto Soares é psicólogo e rosacruz, autor de "Desenvolvimento Comportamental"



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