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ALIADA E MESTRA
Eu gritei, bem longe de tudo, de todos e tão perto de mim! Para que ninguém pudesse ouvir, para que apenas a dor, assustada pela ferocidade da voz, recuasse. Assustei-me com meu grito e sem assustar a dor, ela não se foi.
Toda dor que se apossa de mim, faz um caminho curto - porque ela vem de dentro. O que me atinge e me causa tanta nevralgia, não vem de fora; vem de um lugar bem próximo e conhecido: a centímetros de distância do seu estouro; a algumas camadas de pele, músculos e nervos.
De
tudo o que está dentro, é possível enxergar fora. Bem ao contrário do que era de se
esperar ... que fizesse o caminho mais longo de se percorrer - de fora para dentro, não é o que acontece e acaba mesmo por emergir, de tão perto! Irrompendo da corrente sanguínea, atravessa todas as pequenas barreiras: de
ossos, nervos, músculos e pele. Dói nos
ossos, afetam-se os nervos, contraem-se os músculos e aflora à pele.
Trago em mim pequenas nodoas, ainda dormentes, revestidas de fina película gelatinosa, e à medida que vão despertando, no devido tempo; vão provocando em mim, úlceras na carne e ranhuras na essência, por estímulos dolorosos e cruéis, mas que ninguém vê.
Sem dúvida, não há como despertar nodoas inexistentes. Por mais hostil que seja o meu entorno, se eu não as trouxer entorpecidas ou esquecidas dentro de pequenas bolhas; não sentirei impacto algum, a minha sensibilidade não sofrerá nenhum abalo, pois o 'fora' não se refletirá no que não está 'dentro'. Se eu não carregar superfície capaz de agir como espelho, o que está fora, não se reproduzirá dentro.
A dor não é coisa que se deixe assustar, nem por revolta, nem mesmo gritos. É atributo de quem vive, é recurso da biologia em demonstrar desconforto ou desequilibrio na nossa natureza. Tem motivo legítimo de existir, necessita ser sentida de todas as formas de sentimento, para que possa ser validada como nossa aliada, em primeira instância e depois, nos servir de mestra.
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