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UMA GRANDE MULHER
Tu te fostes, de uma forma silenciosa e digna. Fomos nos despedindo de ti, aos poucos, nos teus passos lentos, nas tuas conversas curtas e reticentes, antes tão admiráveis. Das tuas mãos trêmulas, vimos caírem as coisas, as mesmas mãos que antes, tão caprichosas em tudo o que fazias, bordadeiras de perfeitas obras primas - onde não se distinguia lado avesso do direito, de tamanho esmero.
Das tuas dores, garanto que não sabíamos de todas, apenas poucas, só aquelas que tu sabias que seríamos capazes de suportar saber. Desconhecíamos a profundidade do teu sofrimento, mas do que podíamos imaginar que fosse, era grande. Nos teus últimos dias, nos revelaste tua humanidade, através do teu olhar humilde e uma ou outra exclamação de temor, pelo que viria a seguir. Admitindo-se fraca e frágil muitas vezes, sempre nos provou, que eras grande e forte.
Não choramos a tua partida, como deveríamos, tenho certeza, isso porque para nós, foi o que, racionalmente, era o melhor para ti, como dizem: fostes descansar. Há quem acredite nisso, eu não, acredito sim, no cumprimento da tua tarefa com louvor, embora sempre te julgaste imperfeita; porque sempre te cobravas demais.
Deves estar, em algum recanto acolhedor, tão merecido por ti, pela tua sinceridade e transparência, como pessoa correta, sendo cuidada das tuas enfermidades, com recursos e medicamentos mais eficazes. Naquela época, foi mais fácil admitir, que era o melhor para ti, do que desesperar.
Confesso que procurei me preparar para a tua partida, que talvez pudesse ser desesperador, mas pregaste uma peça em mim. Naquela noite, estando ao teu lado, por um momento precisei me afastar, por breves minutos apenas e quando voltei, tu já não respiravas mais; nem isso, tu deixaste que eu presenciasse, poupou que eu acompanhasse a tua ultima expiração.
Hoje, é um daqueles dias, em que a razão não me convence e eu sinto a falta que faz, não poder voltar a tua casa e te encontrar ou simplesmente, de saber que estavas por aqui, que era possível falarmos ao telefone. Nestes dias eu choro, como num efeito retardado, talvez não por ti, porque sei que fizeste a tua parte; mas choro por mim, pela falta que me fazes.
Como ninguém fica, sabíamos que também não ficarias para semente. Tinhas sido flor, deixando tuas sementes à posteridade, plantadas aqui na terra, nesse mesmo chão, de onde iremos partir um dia, nessa mesma terra que guarda a tua palidez.
Estamos por aqui, por tua causa, porque abriste teu ventre à vida, disseste sim e agora, queremos honrar a tua presença e a lembrança que guardamos de ti, nas nossas vidas, seguindo pelos caminhos, que se desdobram à nossa frente, com a mesma decência e retidão, seguindo o teu exemplo.
26/03/21
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