AS TRÊS CASAS __ 676
Se despregarmos nossos pés da terra, poderemos facilmente pairar sobre o chão, num exercício tímido de alçar voo em direção ao infinito - um ensaio de liberdade. Com um desejo sincero de assim o fazermos, acionadas as asas do coração, partiremos rumo ao universo.
Deixando nossos corpos confortáveis, aos poucos, os quintais e telhados reduzem de tamanho, as ruas, o bairro vão revelando para nós, um mapa numa escala cada vez menor.
Deixamos o nosso corpo, enquanto experimentamos a viagem, passo a passo, além da imaginação.
Os rios sinuosos, que determinam alguns dos limites da cidade ficam claros para nós, desenham a geografia aprendida na escola, agora de uma forma mais didática. É possível ver o brilho de madrepérola, que a luz solar deixa, quando incide sobre o espelho de suas águas.
Admiramos todos os contornos do relevo e tudo diminui de tamanho.
Começamos a divisar o território do pais de dimensões continentais, como também grande parte do hemisfério sul.
Alguns pontos luminosos surgem, salpicando toda a crosta de luzes, pois já é quase noite. Em alguns locais, é possível ver que amanhece.
Um pouco mais acima, porque continuamos subindo, atravessamos a atmosfera da terra, com seus gazes, e os contornos já não são tão nítidos.
Quanto mais subimos, mais azul fica o nosso planeta - um incrível azul.
Nos afastamos, um tanto mais, a bola azul diminui de tamanho, já não é tão azul. Passamos por mais e mais planetas, diversos tamanhos e aparências, grandes pequenos, acompanhados de satélites naturais ou outros enfeites, conhecidos ou ainda não.
Um pano cravejado de jóias de todos os tipos e valores. Pequenos mundos suspensos no oceano de silêncio que o céu se transformou.
E passamos por eles, apenas com nosso olhar de observadores, admirando as obras da criação.
Ainda dentro do nosso sistema, atingimos o sol, e estranhamente nossas asas não derretem, porque são feitas de pensamento, e seguimos em frente.
Avançamos pela via láctea, pelas outras constelações, grandes e pequenos sóis, pendurados no teto do céu, estrelas, cada uma com sua luz e frequência em que pulsam seus brilhos, vistas em tempo real.
Dentre elas, também estamos nós, com a luz que nos acompanha, a luz que aprendemos a brilhar, nos redescobrindo como sendo também, obras do mesmo criador.
Chegamos até aqui, é hora de retornar.
Aos poucos vamos descendo sem sofrer efeitos de nenhuma lei da natureza, sem usarmos nenhum equipamento especial, da mesma forma como subimos, suavemente.
Deixamos as estrelas piscantes para trás de nós, nossos rostos se iluminam por passarmos perto do sol, mais uma vez, podemos conhecer então, as outras faces dos planetas.
Nos aproximamos mais da terra, que se agiganta diante de nossos olhos e retoma a cor azul.
Depois que atravessarmos a camada de gazes protetores, podemos ver mais claramente, os seus contornos, do hemisfério sul, do pais, da cidade, não há tantas luzes como antes, porque amanhece. Em alguns lugares anoitece. E tudo aumenta de tamanho.
Como se algum véu tivesse sido tirado de nossos olhos, tudo é muito diferente e mais nítido, desde as cores da vegetação, o brilho dos rios, dos telhados, a beleza das pequenas coisas, a perfeição de cada célula de nosso corpo. Voltamos às nossas casas - a terra, a casa de telhado e a casa de carne e osso.
Aprendemos a voar, fizemos a viagem para fora, agora precisamos aprender a viajar para dentro. É preciso que encontremos um lugar digno, onde deve ser guardado o precioso brilho que trouxemos conosco.