PERIGO DE ÁGUAS ESCURAS _______________ 428
Perigo de águas escuras
O estrago que as mãos não têm coragem de
fazer, a boca faz, sem dó nem piedade, com as palavras que profere. Elas perfuram, cortam, dilaceram e esgarçam
os tecidos pra sempre, como lâminas afiadas que são.
São punhais, facas, espadas, todo tipo de arma
branca, silenciosas e certeiras no ataque.
Estão sempre de prontidão, em riste, e não deixam ninguém a salvo. Sempre preparadas a fazer cortes verticais no
bucho e espalhar as vísceras de suas vítimas, sem que haja a possibilidade de
suturar os ferimentos.
Essas bocas são fossos, onde vivem crocodilos,
muitos, famintos e desesperados por carne, com mandíbulas nervosas e perfeitas
pra dilaceração dela. Os desavisados e
bem intencionados, não saem ilesos.
Sobrevivem, mas não sem uma mutilação de membros, ou a falta de alguma
parte importante. Estar pelas redondezas
desses fossos é desafiar a morte a todo instante.
As águas aparentemente calmas, escondem um
perigo, porque a fome de que são apossados, não se extingue, por mais que se
alimentem.
A superfície calma de suas águas, já não me
engana, sofri golpes suficientes pra saber disso – de que não posso confiar
nessa calma traiçoeira e calculada. Devo
ficar alerta, num instante um deles pode emergir do silêncio escuro e atacar, a
mim ou a quem estiver às margens ou nas proximidades. Não é um local seguro, o perigo espreita
sempre, nem a relva cresce por lá, por onde arrastam suas carapaças, em incursões de busca de novas vítimas.
Atacam uma, atacam outra, sem dar chance de
fuga ou defesa, usam dentes, garras, o corpo pesado e flexível, e a cauda
como chicote.
Sem a mínima cerimônia ou remorso, perpetram a
destruição da vida, de uma forma fria e calculista, executam a carnificina,
como bons predadores que são.
E calmamente, se deitam ao sol – tranquilos, pra
esquentarem o seu sangue frio – ainda trazendo em seus dentes os restos mortais alheios. Enquanto esquentam o seu, o sangue das
vítimas esfria.
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