domingo, 2 de outubro de 2022

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AS MUITAS PELES 

Como todo ser vivo, precisei de duas metades que se ajustassem uma à outra, para me corporizar por aqui.  Depois de concebida, ganhei formas humanas, me alimentando indiretamente das substâncias, e de sentimentos, que tomei como meus.  Aos poucos, todas as partes, foram se desenvolvendo e crescendo, até que cheguei à forma primária de minha constituição física e à forma inicial de minha estrutura emocional.  Nesse momento, eu havia recebido tudo de que precisava, para dar continuidade à história única, que começara e escrever.

Precisei de um bom tempo ainda, para aprender a caminhar com minhas pernas (no sentido mais amplo da emancipação) ... maior tempo ainda, para treinar a pensar com a minha cabeça, porque no começo, eu não pensava, só sentia.  Tudo que aconteceu ao meu redor, contribuiu para o meu fortalecimento; todos que cruzaram ou que dividiram o mesmo caminho, também contribuíram com experiências, que agregaram aprendizado.  Era forçoso, que meu caminho fosse descoberto, personalizado para os meus propósitos.

Nunca estive só, porém era preciso que eu pessoalmente, me desse à luz, parisse a mim mesma, na versão concreta da verdadeira construção - entronizada de tudo o que havia me afetado, até ali.

Confesso que foi um parto difícil, com contrações dolorosas de músculos ainda fracos, comprimindo e convulsionando, as ideias necessitadas de amadurecimento, mas que tinham que corresponder ao que se exigia deles – a transformação da essência bruta em resultado mais apurado.   Sempre é preciso abandonar as velhas peles, porque não comportam mais as células renovadas, nem os velhos conceitos, agora com outros significados.

Do primeiro parto – o verdadeiro, eu não tenho lembrança vívida, apesar de tê-lo vivido.  Do segundo, trago gravado todas as dores, a respiração ofegante, a sensação de medo e desespero de não ser capaz de concluí-lo.

Foi um parto, onde ao mesmo tempo, fui a parturiente, a assistente e o próprio fruto.



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