segunda-feira, 31 de outubro de 2022

1547

 



ESTES SÃO

Dias, em que o ar usado dos pulmões não consegue sair por completo, para que o novo possa entrar; porque parece preso de alguma forma, pela indignação que obstrui todos os condutos respiratórios.  Também dias, em que o estômago congestionado, não dando conta de digerir os sapos apodrecidos, engolidos forçosamente, fica incapacitado de receber, mais algum outro suprimento.  E muito antes disso, a boca padece de um fenômeno estranho, um gosto amargo e rançoso, causador de repulsa e náuseas, sem nem ao menos ter ingerido nem um naco de coisa sólida ou líquida.  

Espasmos intermitentes e violentos machucam a faringe, nas tentativas de vomitar o que é indigesto.  E mesmo assim, padeço de fome, de fome de justiça, numa vontade comichosa de pegar nas goelas, de dar uns cascos, de rasgar o verbo - o que absolutamente, não resolverá nada, porém, esta reação é instintiva, humanamente concebível e natural!

Pegar quais goelas? Cascar quem?  Rasgo assim, a mim mesmo, quando fecho a minha própria traqueia, sem poder gritar o que quero!  Casco em mim, a sofreguidão de negar ar novo aos meus alvéolos!

Incrível e revoltante ver, que existem consciências 'autolimpantes" - transferem para fora, toda a responsabilidade que lhes cabe e a despeito de todo o rastro de destruição, deixado na sua passagem ... dormem tranquilos – o sono dos justos.  

Tudo isso é muito maior do que eu posso ver ou entender, é demais para mim ... e dessa forma, o único alvo que atinjo é o meu sistema nervoso ... ao tentar modificar algo, que minhas mãos, não têm o tamanho suficiente para alterar e minhas forças, não têm poder para fazer diferente.


sábado, 29 de outubro de 2022

 1546



OS SAPATOS, OS DENTES  E O MARTELO 

Eu criei a verdade, à minha imagem e semelhança.  E à qual outra poderia ser, senão aquela que conhecia!?  Inventei-a com os ‘olhos’ que tinha, mais astigmáticos do que os meus próprios olhos de carne, limitados pela dificuldade de focalizar e à consequente distorção que ela causa nas imagens vistas.  De verdade - considerando a relatividade da minha visão, por ser incapaz de alcançar a totalidade de imagens concretas, o mesmo se deu com as abstratas - foi uma construção imperfeita e incompleta, com um número bem menor de facetas – mas foi aquela que eu ‘queria ver’ e sobretudo, aquela que eu 'podia ver'.

Eu sempre intuía, que ela não era plena, nem de longe e menos ainda, de perto!  A todo instante, eu sentia a 'menos inverdadeira', a me perseguir, tentando comer meus calcanhares.  O tempo todo, era perceptível, que eu insistia, em usar um sapato menor do que o meu pé.  Mas o que eu não poderia supor, é o quão estreita era a minha visão, que me mantinha distante da realidade dos fatos.

Hoje, não tenho pretensões de julgar, que posso ver com mais clareza, nem que minha visão tenha melhorado, mas sigo com mais atenção, quantos aos sapatos que calço; e a cada vez que sinto meus calcanhares sendo mordiscados, pelos dentes da verdade, procuro dar ouvidos ao que a sua boca tem a me dizer.  Como os olhos são os mesmos, aprendi a não bater mais o martelo, como antes; porque quanto mais se bate o martelo, mais a verdade se quebra em múltiplos fragmentos, estes se espalham e escapam do meu campo de visão..



sexta-feira, 28 de outubro de 2022

 1545





MÉRITO PURO

Impermanência não combina com inconsequência.  A ‘consequência’ está diretamente ligada, à forma e ao funcionamento impermanentes da natureza humana.   O coroamento de louros ou de espinhos é o seguimento, obtido depois de todo o movimento, feito com base na dinâmica de erro e acerto, a única que conhecemos.  

No caso de premiação, a incorporamos como conquista.  Quanto a mais um erro contabilizado e à mensagem ‘game over’, agregamos em nosso aprendizado, mais uma maneira de como ‘não fazer’.  

E para que ‘assim pudesse ser’ – nos apropriarmos das vitórias buscadas - é preciso percorrer um caminho tortuoso, íngreme e rude, permeado por todo o tipo de intempéries e limitações, que ao certo não sabemos, se são dificuldades exteriores ou se nossas.  Uma somatória de adversidades a serem vencidas, que quando as vencemos, é louvável, que consideremos como vitória.


quarta-feira, 26 de outubro de 2022

 1544




TROCANDO DE PELE

De tudo o que suporto, de tudo o que é preciso de ser encarado, vejo a grandeza e força das minhas ações e passos - chego à conclusão de que minha fraqueza é forte.  Há um certo glamour, em 'apanhar de pé', como a dizer: “ali onde chorei, qualquer um chorava!”!!!  Reivindico o direito de me sentir momentaneamente fraca, se assim eu escolher, mesmo após assumir a postura de ser forte ou até, se a legitimidade parecer não existir.  

Resisti, resisto e resistirei à duras penas ou à suaves!  Afinal, o que posso fazer, além de aceitar aquilo, a que não consegui reverter seu avanço(!), nem mudar sua direção(?) ... e passou sobre mim, como um rolo compressor, pulverizando minha consistência e me fazendo ‘chorar na rampa’, a lamentar certezas desfeitas.

Chorei, mas do pó me refiz e retornei em matéria e espírito, para seguir adiante, reconhecendo que como eu, todos estamos nos refazendo a todo instante, adquirindo o tamanho e a envergadura que a vida exige de nós.  

Vamos assim, salgando a terra, criando nossas novas versões, trocando as velhas peles, escrevendo outras histórias nas novas ... com base em nossos anteriores moldes, tornados envelhecidos e inúteis.


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

1543



SI NO FUERA ASÍ

¿Y si no viniéramos de las estrellas?  Si no hubiera pequeños portales, entre esta dimensión y la otra imposible haber pasado a través de ellas, las pequeñas partículas de polvo que originan nuestros cuerpos ... no habría materia, y entonces el espíritu no tendría dónde morar. De lo contrario, la vida tal como la conocemos no podría concebirse.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

 1542




BOLAS DA VEZ

Hoje eu preciso, desesperadamente, falar sobre amenidades. É a minha tentativa (e espero que seja ‘acerto’), para desfocar a minha atenção, de um assunto que me consome, e direcioná-la para coisas mais leves.

Na esperança de deixar de sentir a natural indignação e impotência (que podem nascer em qualquer ser humano), eu não darei tratos ‘às bolas da vez’.  É certo, que isto queimaria minha saúde física, emocional e energética.

Eu fui de 8 e 80, não de 8 a 80, porque fui de ônibus e metrô, e não tão rápido. Fiquei o tempo todo com aquele olhar perdido, de vidraça - próprio de quem olha e finge que não vê ... porque não vê mesmo. Por ser desagradável encarar as pessoas, nos condicionamos a olhar através delas, em direção ao que parece ser um vazio, e nos damos conta, de que olhamos para dentro de nós mesmos. 

Ainda, desviando o foco do real e crucial problema que me atormenta; reparei que tinha a barra da minha calça dobrada para fora, contrariando a moda; aliás, prefiro isso a vê-la arrastada pelo chão.   Antes a inadequação, do que esfarrapar o tecido, de uma roupa que vai durar para além dessa tendência.  Mas como tudo o que aprendemos, uma hora ou outra, é considerado inadequado, sei que posso ter passado a ideia de desatualização ou ridículo ..., porém não estou 'nem aí' ... para uma questão tão frívola - de como considerarem, a maneira de me vestir!

Mas não é tão fácil, uma sensação me persegue, de estar dentro de uma ampulheta: quando acho que estou na parte de cima, vejo que já passei para a parte de baixo!  Quando os valores transpõem o pequeno orifício, são espremidos, invertem-se os pesos - o que era certo, antes, já não é mais, e com que rapidez(!), que é impossível acompanhar.  De 8 a 80, num piscar de segundo!

Confesso que muitas vezes, eu salto da parte de baixo da ampulheta, direto para dentro de um liquidificador em funcionamento ou sou passada sobre um ralador bem afiado ... e isso o que eu digo, é obvio(!) ...  que não envolve questões sobre moda! 


segunda-feira, 17 de outubro de 2022


1541A



O ALVO E A POEIRA

Não sou responsável por resgatar ninguém, sobretudo quando não quer ser resgatado. Posso dar minha humilde contribuição, se me for pedida ou quando ... o comportamento inadequado do outro, me envolve diretamente, e é preciso me posicionar a respeito - para que eu não venha a ser arrastado pelas consequências partilhadas. Assumir questões que não são minhas, é morder um naco maior do que eu posso mastigar, e caso eu consiga engolir uma pequena parte, esta descerá pela garganta, raspando e machucando, sem jamais ser digerida.

Na ânsia de minimizar ou tentar alertar o outro, sobre um iminente desfecho negativo; quando não sou ouvido ou nem sequer há consciência dele da necessidade de mudança; e além de tudo, ridiculariza minha intervenção ou tenta 'redirecionar o alvo' - é preciso que eu sacuda a poeira das minhas sandálias, me afaste da situação e siga o meu caminho - porque esse pó, caso não o retire, será danoso aos meus pés.  Cessa aqui, toda e qualquer possível parcela da minha responsabilidade.

Tenho o direito de me colocar, quando algo invade a minha integridade física ou moral; pois limites são bons, como são bons, os muros que separam as propriedades. Se assim não fosse, não saberíamos onde termina o meu quintal e começa o do outro.  Se serei compreendido ou não, não me cabe a preocupação, nem me importar como ele vai se sentir.  É importante ressaltar aqui, que os ‘invasores de propriedade’ têm dificuldades em reconhecer os direitos alheios, porque trazem uma visão bem distendida dos seus próprios limites.
















sexta-feira, 14 de outubro de 2022


1541 






CHAVE PERDIDA

Qual é a pior escuridão?   Qual é o mais terrível silêncio?  Qual é a maior distância?  Não é a dos olhos que não veem; não é a dos ouvidos que não ouvem; nem a dos corpos afastados.

Um coração que não sabe enxergar o quanto o outro se esforça, que não se compadece do sofrimento alheio; nem se atém a ouvir o que um outro coração diz; nem sentir o que um outro sente – o dono desse coração, esse sim, é o verdadeiro cego, um surdo sem esperança e um insensível, impossibilitado de exercer suas habilidades humanas.  Nega acesso a qualquer troca, incapaz de dar de si quando é preciso, também não consegue receber nada de ninguém – porque seu peito permanece trancado. Acaba por adquirir algumas características inumanas.



quarta-feira, 12 de outubro de 2022

 1540




ANALFABETISMO EMOCIONAL


Ser analfabeto das letras é terrível, porque nos priva de adquirir conhecimento a respeito de quase tudo na vida.  Bem pior do que ele, é o analfabetismo emocional, porque nos rouba a chance de termos relacionamentos saudáveis e duradouros.

São as emoções que nos dirigem, têm como gatilho, situações atuais, que acordam experiências semelhantes, vividas anteriormente - sensações que estiveram, até então, abaixo da linha do consciente, que se somam à reação ao fato atual.

Toda troca é feita com base no consenso, ou seja, o manipulador exerce sua influência sobre o inseguro; o dominador se sobrepõe ao fraco e assim por diante.  Haverá sempre um ganho, ao se deixar manipular ou dominar, porém a relação não deixará de ser tóxica.  Durará até que a parte prejudicada se dê conta do ‘jogo’ e resolva não ‘brincar mais’.

Salvo as pessoas, que não se colocam no lugar do outro, por absoluta e inata ausência de empatia, devido suas personalidades específicas e com tendência psicopática; há sempre a possibilidade de melhorar os relacionamentos. Desde que as duas partes percebam a necessidade de mudança e estejam dispostos a fazer os ajustes, é possível.  

Normalmente, nos relacionamentos doentios, demora um tempo até que se perceba a disfunção, e quando isso acontece, a parte que exerce poder não quer modificar sua dinâmica, pois esta, está baseada na subjugação e sem ela, não concebe nenhuma outra possível maneira de se relacionar.





segunda-feira, 10 de outubro de 2022

 1539




SOMANDO ZEROS


Quando é que fazemos isso?  É preciso lembrar que na soma, o zero não acrescenta nada; na subtração também, nada se altera.  Na multiplicação, ele torna nulo todo o valor anterior ou posterior; na divisão, qualquer número, como dividendo ou divisor, perde seu peso, porque é um cálculo impossível de se fazer.

Mesmo sabendo disso, inúmeras vezes, somamos zeros, na esperança de acrescentar ou fazer a diferença, numa determinada situação.  Quando o produto da operação já está definido, somar zeros, é coisa improdutiva, porque quantos mais forem somados, não alterarão o resultado.

Falando assim, sobre aritmética, todo mundo sabe do valor do zero.  Agora, quanto àquela situação que nos incomoda e desafia, nem sempre temos essa ideia muito clara em nossos comportamentos.  Não transportamos o conhecimento que temos, de uma regra, também  aplicável às atitudes que podemos ter, perante algo que precisa ser mudado.  

Perdemos nosso precioso tempo, tentando modificar um resultado desfavorável, com opções impossíveis, com passos já reconhecidamente, como infrutíferos.  Será que devemos retornar à escola básica para reaprender a fazer contas? 



domingo, 2 de outubro de 2022

 1538





AS MUITAS PELES 

Como todo ser vivo, precisei de duas metades que se ajustassem uma à outra, para me corporizar por aqui.  Depois de concebida, ganhei formas humanas, me alimentando indiretamente das substâncias, e de sentimentos, que tomei como meus.  Aos poucos, todas as partes, foram se desenvolvendo e crescendo, até que cheguei à forma primária de minha constituição física e à forma inicial de minha estrutura emocional.  Nesse momento, eu havia recebido tudo de que precisava, para dar continuidade à história única, que começara e escrever.

Precisei de um bom tempo ainda, para aprender a caminhar com minhas pernas (no sentido mais amplo da emancipação) ... maior tempo ainda, para treinar a pensar com a minha cabeça, porque no começo, eu não pensava, só sentia.  Tudo que aconteceu ao meu redor, contribuiu para o meu fortalecimento; todos que cruzaram ou que dividiram o mesmo caminho, também contribuíram com experiências, que agregaram aprendizado.  Era forçoso, que meu caminho fosse descoberto, personalizado para os meus propósitos.

Nunca estive só, porém era preciso que eu pessoalmente, me desse à luz, parisse a mim mesma, na versão concreta da verdadeira construção - entronizada de tudo o que havia me afetado, até ali.

Confesso que foi um parto difícil, com contrações dolorosas de músculos ainda fracos, comprimindo e convulsionando, as ideias necessitadas de amadurecimento, mas que tinham que corresponder ao que se exigia deles – a transformação da essência bruta em resultado mais apurado.   Sempre é preciso abandonar as velhas peles, porque não comportam mais as células renovadas, nem os velhos conceitos, agora com outros significados.

Do primeiro parto – o verdadeiro, eu não tenho lembrança vívida, apesar de tê-lo vivido.  Do segundo, trago gravado todas as dores, a respiração ofegante, a sensação de medo e desespero de não ser capaz de concluí-lo.

Foi um parto, onde ao mesmo tempo, fui a parturiente, a assistente e o próprio fruto.