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FAZ DE CONTA
Nas batidas que o silêncio faz ecoar, eu reconheço o quanto ele me diz, em cada palavra e em cada gesto implícito; em cada suspiro ou lamento, fica bem claro, o que não chegou a ser dito. Quanta coisa fica guardada, fica parada na garganta, no peito, na ponta da língua. Tanta coisa que cria raiz, enquanto perde a voz - de tanto gritar e tentar ser ouvida. E 'as gentes' ... calam essa voz, engolem as palavras a seco, mais os sentimentos que a elas acompanham, ao fundo da goela. São palavras nunca ditas, por isso mesmo, indigestas, porém, tão sentidas e compridas, que mesmo depois de engolidas, deixam uma pontinha para fora, numa espécie de rabo, impossível de se esconder - lembrando que ali tem coisa entalada.
Fazer de conta, que dissemos tudo o que era preciso; fazer de conta, que não vimos o que foi visto; fazer de conta, que não ouvimos o que foi ouvido ... tudo isso tem um custo - o faz de conta transforma-se em silêncios guardados, bem fundo, indigestos, mudos e com um rabo bem grande.
07/05/21
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