quarta-feira, 2 de julho de 2025

 1706




FENDAS DE TODOS OS TAMANHOS


Todos nós trazemos fendas não visíveis.  Rachaduras profundas, outras menos. Por elas entra ou sai a tristeza; entra bem menos do que ‘aquilo que precisamos’, e talvez por serem tão fundas, dificilmente ficarão cheias.  Mas só nos damos conta de suas existências, quando elas direcionam as nossas escolhas, para caminhos que se revelam tortuosos - miramos no que vemos e acertamos no que não queríamos - é essa a dinâmica do olhar adoentado que temos.  E a cada escolha desacertada, somos forçados a ‘revermos’ a blindagem que nos reveste, de descobrirmos o porquê, de nos deixarmos apoderar por sentimentos e emoções alheios e sermos sequestrados dos nossos verdadeiros sentimentos.  Vivendo numa miscelânea de sensações confusas, nos vemos obrigados a ‘degustar’ uma salada desagradável ao paladar e indigesta.


Como seres fragmentados, andamos por aí, com feridas a céu aberto, expostos a todo tipo de contaminação, a todo tipo de invasão, deixando sair o que é bom, sujeitos às doenças da alma. Tanto quanto, as fendas da geologia podem causar terremotos e explosões; essas fendas que existem em nós, também podem desencadear choques internos, convulsões emocionais e implosões.



domingo, 29 de junho de 2025

1705





HIPÓTESE E TESE


Perdido entre os pensamentos, que me fazem ‘sentir’ sentimentos correspondentes ao que penso.  Sentindo, o que me faz pensar pensamentos equivalentes ao meu ‘sentir’, proporcionais em peso, volume e intensidade. Nesse círculo vicioso, onde percorro a linha curva, que retorna ao ponto de início, corro atrás do meu próprio rabo, e invariavelmente, quando o alcanço, volto a mordê-lo.  


O que deveria ser apenas um ciclo, do qual eu me libertaria naturalmente, torna-se armadilha, que me mantém subjugado às condições insalubres, de repetição de ideias e re_sentimentos.  


A inteligência, a percepção e a intuição, sempre atuam a nosso favor.  Elas nos fazem observar, analisar as situações e formar opinião, mas como nos falta confiança no nosso ‘taco’, e por medo de aceitar o que apesar de muito claro, é também doloroso; preferimos o ‘benefício da dúvida’.  Elaboramos hipóteses, que enquanto apenas hipotéticas, quase não machucam, ferem superficialmente.  Quando são constatadamente observadas, e se tornam tese, são devastadoras, cortam profundamente, revirando a lâmina dentro da carne.


Somos obrigados a velar, para depois enterrar uma expectativa, a respeito de algo ou alguém.  Aos poucos, vamos tendo que dizer adeus a tudo que virou tese, a aceitar à realidade, que já havia sido visualizada por nós.  Entramos no processo de luto, onde enterramos muito mais do que nossas expectativas, enterramos pessoas, sonhos; enterramos um pouco de nós mesmos. Só o quê não conseguimos enterrar: as nossas memórias, os nossos sentimentos; mas eu acredito que talvez, tudo seja uma questão de tempo.  


Transformar um círculo em ciclo, requer de nós sustentação, para atravessarmos o período de luto; coragem de darmos não um passo, mas um impulso, em direção a outro ciclo, novo, mais elevado, consciente, maduro.  Mesmo que não sintamos o chão, mesmo que seja dado no escuro - o que nos move é a necessidade de fecharmos um círculo de sofrimento.




quinta-feira, 26 de junho de 2025

1704




ENTRE O CORPO E O SILÊNCIO 

Eu sussurro, como num pacto que não devo quebrar.  

Aceito e acolho o que chegou até minhas mãos, porque me fez ser quem eu sou. 

Entrego, o que ainda não 'pôde' ser. Aprendi que a transformação só acontece fora da vigilância, sem armadura e no recolhimento.  É quando, solto a rédea da pretensa e ilusória tentativa de controle.

Confio, que o que veio, tinha endereço certo.  Reconheço que minha mente tem medo, mas a minha alma conhece a confiança e outras tantas virtudes. O sofrimento é abandono interior e a mente precisa escutar o que a alma diz, porque ela fala - ah! e como fala! Para ouvi-la, devo calar os pensamentos, pois fazem muito barulho, só assim o diálogo pode acontecer.

Agradeço ao universo, pelas inúmeras dádivas, pois agora ele me escuta, depois de me despojar da falta, da queixa, do descontentamento.  Só a gratidão é capaz de converter a 'falta' em presença, em algo muito mais valioso - como um bálsamo que cuida do que estava partido, transmuta e remodela a minha realidade, numa versão mais favorável a mim mesmo.


arte __ agnes cecile

quarta-feira, 11 de junho de 2025

1703




UM DENOMINADOR COMUM


Até o mais ferrenho crente no diálogo, aquele que acredita no poder das palavras, de esclarecer e encurtar distâncias - até mesmo ele, será obrigado a admitir, em algum momento, a inutilidade delas.


Não que ele desacredite ou duvide do significado de cada uma, mas ele sabe, que para haver comunicação é primordial que as partes a desejem.


Não há denominador comum ou acordo ou entendimento, a que se possa chegar, quando há a negação da existência de desencontro, ainda quando a questão já se encontra cristalizada de um dos lados.


Frustrado, em primeiro lugar consigo mesmo, mas depois percebe que não é falha sua, e que por mais eloquente que seja, é impossível tocar, nem que seja de leve, quem não deseja ser tocado.  Alguém que nunca baixa a guarda, rechaça qualquer tentativa de aproximação, mantém-se categórica e hermeticamente fechado em sua razão.  Talvez tema, que uma vez aberta, nunca mais a consiga fechar.


quarta-feira, 4 de junho de 2025

1135

CANTAR E CONTAR
26/02/20


Amélia morreu de inanição, depois de consumir-se a si própria,
numa autofagia. Enrolada e acocorada, foi-se, mortificando sua carne, a um canto, sem um pio, sem comida, sem agasalho,
sem teto, sem reclamar, roxa e ressequida.
Se achava graça de sua desgraça, não se sabe,
talvez tenha sido puro sadismo, de quem dava voz à melodia,
por sinal, uma voz bem desumana!
Mas acho que foi mesmo desamor,
dela, para com ela mesma, sem nada exigir,
ou levantar-se para seguir adiante ...
antes mesmo de ser um descaso,
da parte de quem dizia, que a amava.
Não, não a amava! A odiava!
Se amasse, a respeitaria como ser vivente,
como ser livre, que escolhe ficar, podendo ir.
Ela não seria retratada como uma prestadora de serviços,
cúmplice da preguiça de quem a descreve, dentro de uma inércia de causar nojo.
Ele lhe traria os melhores quitutes, flores,
lhe daria as mais lindas vestes, uma casa aconchegante,
faria dela uma mulher de verdade, mesmo(!)
e não um espectro com alguma serventia.
Que bom que ela tenha morrido, pois não era de verdade,
nem sequer era mulher, sua vida foi uma apologia aos maus tratos.
Quem a cantou, deveria se envergonhar, de não ter pensado
numa letra mais adequada ao romance que tentou contar,
se é que foi mesmo essa, a sua intenção!
arte | agnes cecile

1702





HIATO 2

Desgosto sobre desgosto - des_gosta; escuridão atrás de escuridão - des_lustra.  Inútil foi tentar reaver o brilho, muito menos soprar o fogo que mantinha o sentimento aceso.  Passou um vento forte, ao qual nenhuma chama resistiria acesa.

Criou-se um hiato, que não se detecta em nenhuma parte do corpo. Abriu-se um buraco, uma fenda na alma, por onde já escorreu toda a boa intenção, todo o tempo de espera, toda a graça e não há nenhuma ponte capaz de transpor essa distância - essa boca que a tudo engole. 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

 1701




NADA 

De silencio en silencio, escribo una carta póstuma.

De palabra en palabra tragada, es muerte…  Muerte de la comunicación, muerte de la esperanza, del reencuentro, del acuerdo o reparación.


Se levanta un muro de bloques pesados, alto y frío, con mortero fuerte. Nada más se ve, nada se oye, nada se espera.



tragada - engolida

bloques - blocos

mortero - agamassa


segunda-feira, 26 de maio de 2025

1700





AO FINAL


É inútil esperar que as paredes respondam a contento, às perguntas que lhes faço.  Elas transpiram sentimentos, reavivam imagens guardadas e as decodificam, da maneira que podem.  Usam de uma espécie de mímica, em vez de palavras, porque não sabem falar.  As suas lembranças mais as minhas, quase que conseguem re_montar a trama inteira, e o que falta(?) é complementado pelos objetos.  Ao final, não me revelam nada que eu já não saiba.


Nem mil demãos de tinta forte podem cobrir o cheiro que exalam.  Nenhuma cor ou textura apaga as imagens nelas grudadas.  Nem o tempo, nem o esquecimento os faz desaparecer.  E ainda que esquecidos, ficariam na memória, impregnados à estrutura física, como fantasmas emparedados.




sábado, 17 de maio de 2025

1699




O CÉU DE CATARINA


Fui encontrar minha criança, no jardim de Catarina.  Ao contrário do que pensava, ela não estava perdida, e sim muito bem achada.  É como se, o tempo todo, ela estivesse a me chamar para lá, mas como não lhe dei ouvidos, parou, já há algum tempo.


Foi preciso apenas um pequeno comando, para que eu baixasse a guarda (um pouco o volume e quantidade dos meus pensamentos) e assim pude identificar o seu chamado.  Imediatamente, nos encontramos.  Eu adquiri sua estatura, de modo que as flores ali presentes tomaram um tamanho descomunal, em relação ao que se imagina.  As minhas preferidas: boca de leão amarelinha e crista de galo em vermelho intenso estão presentes como muitas outras, singelas e delicadas.


Flores que eu nunca mais tinha visto em lugar algum, com cores, formatos e vivacidade quase irreais, ali estão vívidas e concretas.  Somos duas, mas numa só pessoinha correndo por entre elas, com as perninhas curtas e ágeis.  Tocando, aqui e ali, com muito cuidado, explorando tudo com mãozinhas brancas.  O jardim era da Catarina, amiga de minha avó, mas sem dúvida a dona dele sou eu ou uma miniaturinha de mim, que reivindicou a posse dele para sempre, e o batizei como ‘céu de Catarina’.  Lá reencontrei a graça, a alegria de estar rodeada de flores, dando gritinhos, esbarrando nos pequenos arbustos, atrás das borboletas, movimentando todas as folhagens, tirando o sossego do lugar.  Já nem me lembrava mais, do tanto que gosto das flores … e eu achando que preferia as folhas!!!



arte __ mila marquis

terça-feira, 6 de maio de 2025

93




UM OLHAR  SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

OLHOS E OUVIDOS RASOS


Aos olhos que não querem enxergar, é inútil usar de uma excelente imagem, para fazê-los entender.  Aos ouvidos que se negam a escutar, desnecessário é a melhor explicação ou uma só palavra.  Porque estão condicionados a não executarem nada mais do que as capacidades funcionais dos órgãos.


Obedecem a um mecanismo de defesa, que impede que as informações cheguem ao emocional, sendo mantidas no racional: se veem é para se atualizarem, se ouvem é só para responder. Em lugar de um filtro, existe um bloqueio, entre o que veem e ouvem, e o que deveriam transformar em sentimento.  São olhos e ouvidos rasos.


As tentativas infrutíferas de forçar um entendimento causam profundo estresse, porque constantemente, o interlocutor se sente frustrado, mas não percebe que a cegueira e a surdez são do outro, e não incapacidade sua. Não são apenas esses dois órgãos que estão bloqueados, existe uma vasta rede que se encontra deficiente. Se recusam à troca saudável e condenam-se à exclusão e à solidão.


É impossível bater à porta desse interior, porque nem se sabe onde ela está?  Obviamente que está trancada por dentro, e a menos que um dia ele resolva destrancá-la, ninguém entrará.


quinta-feira, 24 de abril de 2025

1698



EU E O ECO

Tive medo de olhar-te nos olhos.  Temi ser traído pelo sentimento guardado - que ele ficasse evidente, através das janelas da minha alma; e assim, eu seria descoberto. Preferi lançar-te olhares dissimulados - não falsos(!), mas envoltos numa névoa fabricada, para ofuscar a transparência do vítreo.  Só Deus sabe o quanto me custou!

Do contrário, nem sei o que faria, talvez eu negasse, veementemente … ou confessasse, num ímpeto de coragem.  Porém eu quis evitar, forçar-te a uma resposta ou posicionamento.  Pois nem mesmo eu sei, como cheguei a isso(!), como pude dividir a minha vida em duas partes: uma antes e outra depois de ti!   Vivo no ‘entre’, num espaço às vezes espaçoso, às vezes espremido, separado por dois limites finos.   Ah!  O entre!  Lugar onde eu revivo todas as emoções.  


Comparo o que se passa comigo, com uma festa. Dentro do ‘entre’, eu experimento, toda a expectativa, do tempo que a antecede, o entusiasmo crescente.  Rememoro o dia e o momento exatos dela, cada detalhe, com toda a alegria, movimento e brilho.  Até que me deparo com a bagunça que ficou, a casa vazia e escura, tudo o que restou dela, eu e o eco da minha voz.


segunda-feira, 24 de março de 2025

 1697





DE BURACO EM BURACO

Era para ser um agradecimento puro e simples, pois completei ontem, mais um ciclo de vida; mas acabei indo fundo, e falei sobre a linha circular que desenhamos, subindo em direção à evolução, enrolando-se em um eixo vertical imaginário.

Nos parece que andamos em círculos, e andamos mesmo, círculos ascendentes, quase nem percebemos a nossa ascensão, de tão lenta que ela é.  De tempos em tempos, as mesmas dificuldades nos alcançam, não importa o quanto tenhamos caminhado; travestidas e com uma outra face, nos vêm assombrar, de novo a trajetória.


À cada nova investida, estamos um pouco menos vulneráveis a elas, porque nos encontramos em um outro ponto, diria eu: um pouco menos suscetíveis aos velhos desacertos.  Colocarei assim, ‘desacertos’, porque aprender a fazer o ‘certo’ é coisa que requer muita transpiração de nossa parte e muita determinação para continuarmos a enfrentar as nossas próprias fraquezas.  Ninguém se fortalece de um dia para o outro.


A boa notícia é que, junto com essas novas investidas, nos vêm também, um pouco mais de experiência adquirida.  A nossa vida é cíclica e devemos nos negar a repetirmos os mesmos erros, já que de nada teriam servido os apuros anteriores e o aprendizado cairia por terra.  Afinal, buraco conhecido deve ser tampado ou ao menos, sinalizado.


quinta-feira, 6 de março de 2025

 1696




‘QUEM CORRE DE GOSTO, NÃO SE CANSA’


Era o que minha avó dizia, mas eu não imaginava, como isso seria possível.  


Correr é óbvio, cansa sim. O ‘correr’ aqui, significa fazer algo - ‘os corre’ da vida.  ‘Correr de gosto’ é fazer motivado, com paixão e convicto.   Não se cansar ‘correndo de gosto’ é não se desgastar tanto, atingindo a satisfação e a realização com o feito.


Ufa!  Demorou, para que eu entendesse, sobre o que ela falava!  




1695




RAZÃO E AS RAZÕES

Ele é sentimento puro. Não se deixa guiar pelas convenções, não avalia as possibilidades; e  se assim o fizesse, já não seria mais, ele, quem fala.  Por isso, muitas vezes, ele grita e se coloca tão longe da razão!  Diametralmente opostos, ele carrega ‘razões’ que ela própria desconhece. Ingênuo?  Louco?  Inconsequente?  Nada disso, ele está sempre à frente, de tudo o que ainda não nos foi revelado!


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

 1694




PEDIDO DO DIA

Que eu não fique tempo demais, onde não deva.  Que meus ouvidos da alma estejam sempre limpos, para escutar a voz que me fala diretamente.  Que não me falte coragem para seguir minhas boas resoluções, além de qualquer resultado.  Que a paz tenha morada em mim.  Que os maus olhos não me vejam, porque o único mal com o qual posso lidar é o meu próprio.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

1693




A BOA E VELHA PENEIRA


Um dia desses, eu estava na cozinha, fazendo um suco no liquidificador, mas como sempre, restaram uns pedaços que não foram triturados.  Foi preciso passá-los pela peneira e esmagar os grumos, que ainda estavam presentes.  Às vezes, depois disso, ainda sobra o que não é possível passar pela malha estreita.


E como minha imaginação viaja, sem precisar de ‘maionese’, eu tive um pensamento, sobre o que podemos e o que devemos fazer, levando em consideração, o que é possível ser feito.


O processamento do liquidificador é sempre automático, e na teoria, tudo é permitido ser colocado lá, desde que não seja coisa que danifique suas lâminas - é só despejar dentro dele.  O resíduo que ele não consegue liquefazer, é o que precisa ser visto com um pouco mais de atenção, pelo trabalho manual, de ser peneirado e ser avaliado, quanto a deixar passar ou não. É aí que está a questão, tem coisa que não passará mesmo que a malha seja larga.  Nesse caso, a malha funciona como um filtro, do que é conveniente ou não passar. Aqui ela se torna mais importante, do que o próprio liquidificador.


Muitas coisas na nossa vida, fazemos automaticamente.  Noutras, nos deparamos com dificuldades de ‘processar’ e mesmo que, nossa intenção seja dissolvê-las por completo,  depois ainda, de forçar essa passagem, haverá detritos restantes, que é melhor que sejam  descartados.


arte __ mila marquis


1692





BEM E MAL

“Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe …” Ditado português

 

Esse, é um dos muitos que minha ‘vó Maria’ usava.  Uma enciclopédia ambulante de conhecimento e aplicação na vida; foi dela que aprendi, na medida em que eu fui conseguindo entender, o que aqueles ‘enigmas’ queriam dizer.  Era assim que me pareciam - enigmas, porque me faltava a prática da vida, apesar de entender as palavras.


Tudo é passageiro, essa é a mensagem principal e a moral da história, sim!  Porque dentro dessa frase cabe todo um conteúdo útil, que se pode desfrutar depois de ser extraído.  A impermanência, é o que fica patente, e isso serve para tudo: sentimentos, situações - experiências que conversam diretamente com a nossa paciência.


Afinal, é no ‘pretenso mal’ que o aprendizado se consolida, é no também, ‘pretenso bem’ que relaxamos, uma espécie de bônus, que a vida nos dá.  Vale ressaltar aqui, que o bem pode se revelar um mal e o mal pode se tornar um bem.


Mas por quê nunca reclamamos do bem?  E que na verdade, passa tão rápido; enquanto o mal pode se arrastar por tempo demasiado?  Chego a pensar que a passagem do tempo se altere, em rápida e demorada, conforme a situação que vivemos.


Curiosamente, é o mesmo ‘tempo’ quem define, se o bem é um mal ou se o mal é um bem.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

 1691




FAZ DE CONTA

Eu fingi.  Fiz de conta, que não sentia o que realmente era.  Neguei, neguei tanto, até que virasse pó, se espalhasse por sobre os móveis e se misturasse à minha vida, de uma forma que não conseguiria mais retirar.  Eu o via em todas as esquinas que dobrava, em cada reflexo de vitrine, em todos os lugares.  Ele sussurrava algo que não podia ouvir, mas sabia ler o que seus lábios diziam: ‘covarde’.  Era eu mesmo tendo a coragem de me dizer o que eu precisava ouvir..


Hoje, sou uma entidade acrescida dele, sem chance de libertação ou esquecimento, carregando um arrependimento amargo, por ter-lhe negado o status que lhe era devido - e ele se ressente disso!




terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

1690






GEMA E ESSÊNCIA

Não sou feito de vidro, mas tenho em mim, algumas partes que podem se quebrar, facilmente, se não tratadas de acordo.

Posso trazer uma aparência de pedra, porém essa dureza é mais aparente do que verdadeiramente sou, no miolo.


Tenho sonhos incondensáveis ainda, mas que precisam de espaço e ambiente, para 

ganharem forma concreta e vida.


Carrego imperfeições de muito tempo, que pedem respeito e misericórdia.


Como  todos, trago uma gema bruta, a ser arrancada da crosta em que se encontra, pelas mãos pacientes das minhas boas escolhas.  Deve ser lapidada, pelas intempéries do tempo e da vida, pelos golpes dos desafios sobre ela, até que sua essência e brilho possam ser liberados.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

1689




HÁ UNS BONS ANOS E NÚMEROS

Lembro com exatidão, tinha uns poucos anos, uns 5 ou 6, e andava para lá e para cá, com sapatos e bolsas que não eram meus.  Ainda ouço o toque-toque dos saltos dos sapatos no piso liso, e do esforço que eu fazia, para carregar bolsas bem maiores do que eu.


Os sapatos eram enormes, mas lindos!  Elegantes, de salto fino, feitos de camurça cinza bicolor, uns bons números a mais do que eu calçava - é desse que eu mais me lembro, mas não foi o único.  Eu colocava algodão na ponta deles, para compensar o espaço que meu pezinho não preenchia.  As bolsas, também não eram minhas, eu me apropriava delas e deles, eram da minha mãe e tia, mas eram ‘meus’, enquanto eu desfilava pelo corredor comprido da casa, fazendo o maior escândalo.  Coisa de criança, com pressa de crescer.


E lá ia eu, me achando o máximo, eu acho(!).  Era impossível passar despercebida, e isso me agradava.  A minha avó dizia:  “lá vai essa daí, com as tralhas penduradas!”  Todos achavam graça, menos eu, que me sentia orgulhosa de usar coisas de gente grande.  Já, a maquiagem para mim, era batom e sombra, que só me deixaram usar durante o carnaval, bem mais tarde.


De todas as bonecas que tive, teve um único boneco que permaneceu inteiro - o Ricardo, até que acabei doando.  As outras, não tiveram a mesma sorte, algumas sem braço, outras sem perna.  Talvez tenham pensado, que eu seria médica, quando crescesse, mas não foi o caso.  Até hoje, não sei o que se passava pela minha cabeça, porque os braços e pernas quebrados não eram por acidente.


Trago essa doce lembrança, como de tudo o que vivi na infância.  Cresci, comprei os meus próprios sapatos, mas hoje, saltos (?) … não mais!  Curto sapatos, porém uso apenas, os mais confortáveis e que dão maior estabilidade. Das bolsas, ainda gosto, sou incapaz de ficar sem!  Creio que me tornei mais exigente, com relação aos dois,  mas nada se compara à satisfação que os ‘emprestados’ me deram.