A PORTA
E sendo impossível segurar e conter, e esconder comigo tudo o que sentia, porque não descia pela garganta, nem sumia da cabeça - bati à tua porta, sem pensar se era hora apropriada. Pela luz amarela e fraca da janela, sabia que estavas acordada e num ímpeto de súbita coragem, apaixonado, eu, numa noite, tomei a iniciativa. Minhas batidas na madeira reverberaram forte no meu peito, como se meu coração fosse feito da mesma madeira que a porta ou por imaginar aquela porta, como a única barreira a nos separar, não sei! Eu estremeci.
Identificado com aquele pedaço de árvore entalhado, à minha frente - eu, um ser vivo e ela, um ser inanimado, vi algo acontecer. Vi ali a chance - de abrir o que estava dentro de mim e ao mesmo tempo em que batia, saber se o mesmo, haveria dentro de ti. Naquele instante eu era a porta que recebia as batidas e ela, era quem batia - o que viria a dar quase no mesmo. Só assim eu poderia me certificar, de que um sentimento idêntico, existisse ou não, detrás daquele pedaço de madeira inerte.
Em muitas das vezes, em que bati, tu abrias a porta e eu entrava. E nessas vezes, eu sabia que a porta não nos separara, apenas ocultara o que sentíamos. Eu te beijava os olhos, o rosto, a boca, trazia para junto de mim, somava ao meu, o teu sentimento que estivera distante. Noutras vezes, voltei alguns passos, antes de tocar na madeira, e nestas, maiores e mais cruciais dúvidas vinham rondar as minhas ideias;entre lamentos, retornava só e envergonhado.
Já, quando percebi que era amor, não fui mais à tua rua ou à
tua porta. Eu só te vejo passar, sem desconfiares
da ebulição que causas em meu sangue. Ao te ver caminhar, teu jeito
de falar e ser, eu sou apenas um observador, que não altera absolutamente nada no
comportamento do objeto observado. Contemplo a ti, como quem contempla uma flor, obra perfeita da criação - sem ceifar-te a vida, colhendo-te ou maculando tua beleza.
Ah! Não sabes daquela noite, não soubestes da porta, nunca saberás
da pequena distância, que houve, numa noite, entre nós. Apesar dos meus míseros e pedintes olhos
seguirem os teus, andas por aí, sem sonhar, sobre tudo que me fizestes e fazes fazer, ignorando o que sinto, do outro lado da porta.
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