quinta-feira, 30 de março de 2023

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UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

CARTA AO PROVOCADOR PERSISTENTE 

 

Eu me reservo o direito de ficar calado, perante os ‘anzóis e arpões’ dirigidos a mim.  Nas várias tentativas, de conter seus ataques, fiz uso de muitas táticas: usei de linguagem normal, levei na esportiva, respondi de forma agressiva, usei de palavras assertivas e calmas, até fiz cara de paisagem!   Como nenhuma delas funcionou, para deixar claro o quanto suas investidas me incomodam; inclusive quando, ao nada responder, vinha sempre uma cobrança sua, para que eu me posicionasse a respeito – eu resolvi, que às investidas sem cabimento, grosseiras e inoportunas, responderei com o meu ‘silêncio’.  A mim, está muito claro, que existe de sua parte um empenho ferrenho ofensivo, de ser opositor e desafiador, querendo permanecer no controle da situação, e quando não há intenção sua de escutar e acolher de fato o seu interlocutor, com o fim de distorcer a comunicação a seu favor.

Muito longe de conseguir lhe convencer, sobre a inadequação dessa dinâmica, sinto que contribuia ainda mais, para reforça-la, pois as respostas ficam cada vez mais inflamadas, o que desgasta a relação. Se as perguntas idiotas não merecem resposta, as provocações constantes e que ferem, também não.  Aprendi que de alguma forma eu me deixava atacar, porém agora, vou exercitar a minha ‘surdez seletiva’, para filtrar o que não me convém.

Sei da sua necessidade de importunar, do seu prazer mórbido de interferir no bem estar do interlocutor, usando de ‘métodos cuidadosamente calculados’, para desestabilizá-lo; até que ele lhe responda de uma forma que lhe caiba réplica.  Informo que não darei continuidade a esse jogo que tanto lhe interessa.  Por maior que seja sua necessidade, não lhe dá o direito de atacar ou diminuir outras pessoas, isso é antes, um sinal de deseducação - ao que não vou combater.

A minha sugestão é que você estude a sua raiva, a sua necessidade de descarregar no outro o seu desconforto, e de certa forma, carrega-lo com mais facilidade, porque ele foi dividido - isso é apenas uma sugestão!  Sem a consciência da necessidade de mudar sua forma de se relacionar, não há como fazer a mudança.  Se quiser continuar assim, é sua escolha, mas procure um outro parceiro, não conte comigo para rebater a sua bola, e se insistir, ela ficará no chão.  

De agora em diante, quando eu estiver calado, diante de um ‘cutucão verbal’ seu, por favor, leia e interprete como: ‘estou ignorando!’  Simples assim.

Sem mais, espero ter conseguido passar a mensagem desejada.



terça-feira, 28 de março de 2023


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 A PORTA

E sendo impossível segurar e conter, e esconder comigo tudo o que sentia, porque não descia pela garganta, nem sumia da cabeça - bati à tua porta, sem pensar se era hora apropriada.  Pela luz amarela e fraca da janela, sabia que estavas acordada e num ímpeto de súbita coragem, apaixonado, eu, numa noite, tomei a iniciativa.  Minhas batidas na madeira reverberaram forte no meu peito, como se meu coração fosse feito da mesma madeira que a porta ou por imaginar aquela porta, como a única barreira a nos separar, não sei!  Eu estremeci.

Identificado com aquele pedaço de árvore entalhado, à minha frente - eu, um ser vivo e ela, um ser inanimado, vi algo acontecer.  Vi ali a chance - de abrir o que estava dentro de mim e ao mesmo tempo em que batia, saber se o mesmo, haveria dentro de ti.  Naquele instante eu era a porta que recebia as batidas e ela, era quem batia - o que viria a dar quase no mesmo. Só assim eu poderia me certificar, de que um sentimento idêntico, existisse ou não, detrás daquele pedaço de madeira inerte.

Em muitas das vezes, em que bati, tu abrias a porta e eu entrava.  E nessas vezes, eu sabia que a porta não nos separara, apenas ocultara o que sentíamos.  Eu te beijava os olhos, o rosto, a boca, trazia para junto de mim, somava ao meu, o teu sentimento que estivera distante.  Noutras vezes, voltei alguns passos, antes de tocar na madeira, e nestas, maiores e mais cruciais dúvidas vinham rondar as minhas ideias;entre lamentos, retornava só e envergonhado.

Já, quando percebi que era amor, não fui mais à tua rua ou à tua porta.  Eu só te vejo passar, sem desconfiares da ebulição que causas em meu sangue.  Ao te ver caminhar, teu jeito de falar e ser, eu sou apenas um observador, que não altera absolutamente nada no comportamento do objeto observado.  Contemplo a ti, como quem contempla uma flor, obra perfeita da criação - sem ceifar-te a vida, colhendo-te ou maculando tua beleza.

Ah! Não sabes daquela noite, não soubestes da porta, nunca saberás da pequena distância, que houve, numa noite, entre nós.  Apesar dos meus míseros e pedintes olhos seguirem os teus, andas por aí, sem sonhar, sobre tudo que me fizestes e fazes fazer, ignorando o que sinto, do outro lado da porta.  



domingo, 26 de março de 2023

1577


 


A POESIA E SUAS NOTAS

A brisa fresca da noite invadiu o quarto.   Agitou as cortinas de tecido fino, que emolduravam a janela aberta, em movimentos ritmados e graciosos, sob regência oculta.  Eram pequenas ondas de um mar de vento calmo e silencioso, banhando a minha pele.

O aroma de flores noturnas não muito distantes dali, avançava janela adentro e brincava pelo ar, antes de me presentear as narinas, com suas notas florais.  Podia ouvir, com os ouvidos do coração, as notas harmoniosas de uma melodia.  Usei meus sentidos e a tudo eu traduzi como poesia.




sábado, 25 de março de 2023

1576




DUALIDADE

São dois segmentos ou dois espaços, com claridades e sombras diferentes, num deles é sempre noite.  De um lado as imagens são concretas, no outro impalpáveis, mas nem por isso irreais e não menos sensíveis.

Duas facetas, se assim posso dizer, realidades independentes entre si e quase que paralelas, não fossem totalmente opostas, levando-me a destinos diferentes, embora sigam na mesma direção. Eu sou o elo de ligação entre as duas ... assim não fosse, acabariam por desaparecer das vistas uma da outra.  Essa dualidade me divide e não sabe me recompor na sequência.  Eu vivo aqui e ali, em condensação de meu desejo numa, e em sua dispersão na outra.  Transito entre as duas, mas não tenho certeza se realmente vivo.

Ouço a voz que consegue subsistir entre os dois lados - adoradora do sol e amante da lua, que dança e uiva alternadamente; enquanto clama, em desespero contido, para que os dois se unam e formem um só ... ou que um mate o outro, de vez, para que assim eu não me perca dentro de mim mesmo.  Nessa zona de hesitação não há completude, nem sanidade, esse ir e vir cava sulcos profundos na minha integridade.


arte __ agnes cecile

segunda-feira, 20 de março de 2023


1575





VIDA E ARTE

A vida se conta, como se fosse um filme, onde o roteirista escolhe mostrar o cenário e a sequência dos fatos.  Vão aparecendo os personagens, numa visão imparcial de cada um, sem entrar no mérito de seus sentimentos e motivações, nem dos históricos particulares, que influenciam a trama.  A vida começa nos dando uma visão geral, que só bem mais tarde, vamos adquirindo a capacidade de perceber como ela se mostra de fato, depois de um certo amadurecimento e conhecimento, que vamos ganhando para interpretá-la.

A arte, às vezes, nos conta alternando as épocas, presente-passado-presente, o que pode dificultar nos localizarmos na linha do tempo.  À medida que o filme se desenrola, é como se cada um dos personagens se apresentasse a nós, em particular, dando-nos a sua versão; até que, peça a peça, compomos todas as variantes e identidades que participam do enredo.  E não é assim mesmo que acontece, com a nossa percepção da vida?  Partimos de uma visão inicial que tivemos dela e diminuindo sua teatralidade; passamos para uma outra visão mais pormenorizada e com mais sentido.

Na vida, retrocedermos em nossas memórias não modifica a história, mas pode nos ajudar a entender algo que foi mal compreendido na época do ocorrido; como num filme bem editado, com seus pormenores lançados aleatoriamente, de presente-passado-presente, que quando colocados em linha reta, nos esclarecem sobre os pontos obscuros.



segunda-feira, 13 de março de 2023

1574



EIS A HISTÓRIA

Arrependimento é coisa impossível de se afogar em pranto.  A dor é ardida, não tem lugar certo onde doer.  Dói por todos os cantos, por todas as extensões curvas e retas, até atingir o peito, feito um soco de punhos pesados, que diminui o espaço do ar e do pulsar do coração.  Além do que, as águas, mesmo que salgadas não curam esse mal.

É medida tardia da consciência, que procura recuperar a sanidade, quando vê a escolha que não fez. Tão tardio quanto ineficaz é o resultado da medida, porque em vez de tranquilizar, desespera ainda mais.  Seus goles amargos e secos não diminuem a culpa, nem a dissolvem na névoa das emanações simuladas.

E pensar, que uma palavra, um gesto, uma simples aquiescência seria o bastante, para transformar caminhos distintos em um só.  Teríamos então, a chance de nos darmos os melhores anos de nossas vidas (?) – anos passados e perdidos para sempre (!).  Um sopro nos faz nascer, outro sopro, morrer, e não sabemos quando o último virá, apenas que estamos mais próximos dele.

Arrepender-se é abandonar a batalha, entregar as armas, sair carregando os mortos nas costas, sem ter onde enterrá-los.


arte __ agnes cecile

sexta-feira, 10 de março de 2023

1573




ENTRETONS

As cores invadem as formas ou as formas se apoderam das cores, não sei ao certo.  Ficam assim, as nuances várias, ousando, para fora dos contornos, como que a profanarem os próprios limites da matéria descolorida, fazendo-a aumentar sua massa ou como, se as cores adquirissem vida e vontade, e na sequência, tornam-se mais corpóreas que as formas.  Numa visão caleidoscópica, os padrões se alternam em brilho e transparência, matizes novos se formam pela sobreposição dos tons, os mais improváveis e inesperados.

Parece-me que sofro de uma certa descompressão de minhas ideias, visões e sensações, além é claro, de uma baixíssima pressão arterial.  E sigo assim, como se flutuasse dentro de uma bolha desprovida de gravidade, num estado alterado de consciência, induzido pelo uso de alguma substância química e sem poder avaliar as verdadeiras dimensões de mim mesma.