quinta-feira, 30 de abril de 2020

1160


APENAS E TÃO SOMENTE
30/04/20




Imagine a linha do tempo, como sendo a sua rua.  Você está no meio dela, bem de frente pra sua casa.  Tem a casa vizinha da esquerda, a sua, depois a casa vizinha da direita.

Num paralelo ao tempo, você vê na mesma linha: o passado, seguido do presente, que por sua vez antecede o futuro.  Passado-presente-futuro, três momentos diferentes, cada um com sua importância.

O presente é onde a essência da vida pode se mover - no hoje.  Essa também é a única casa, na qual você cabe, em que você pode habitar.  Esse raciocínio, me leva ao hábito ... e ao fato, de que embora estejamos familiarizados, em dispendermos energia e foco, na tentativa de nos alternarmos entre uma casa e outra - não é possível nos dividirmos e habitarmos as três, de uma só vez.  Além do desperdício, o presente requer nossa presença, apenas e tão somente.

E o passado?  É nossa massa sólida - a plataforma/base, pra sustentar nossa existência e nos auxiliar nas resoluções que devemos tomar no presente.  É massa tornada concreta, depois de ter passado pelo rigor do forno do tempo, como o pão, já frio, sobre a mesa.

O presente é liquido, onde estão os nossos recursos, pra modelarmos o hoje.

O futuro por enquanto é quimera, nuvem de gases difusos no laboratório do tempo, ou se preferir, ingredientes no armário da cozinha.

Não se pode viver no passado, nem no futuro.  Não se  pode desfazer o pão, depois de pronto e fazê-lo de novo; como não se pode saborear hoje, o pão que ainda não fizemos.

arte | jamie heiden

quarta-feira, 29 de abril de 2020

1159


A ERVA E A CEIFA
29/04/20





"Quanto ao homem, os seus dias são como a erva, como a flor do campo, 
que assim floresce, pois soprando nela o vento, logo desaparece ..."
Salmo 103 

Acredito, que a maioria de nós está equivocada.  Quando pedimos a cura do nosso planeta e não atentamos para o fato: de quem é o enfermo.  Cometemos aí, uma distorção de realidade, não é a terra, e sim a humanidade, que está doente.

A natureza pode ter recursos esgotados, pode estar até, um pouco injuriada, pelo tratamento recebido por nós, mas nada que afete sua longevidade, nem o propósito de sua existência, por pelo menos, alguns bons mil anos.

A lâmina, que ora atravessa os campos semeados, a nenhum outro reino da criação ameaça. Há quem se coloque, abaixo do seu poder de corte, escapando da 'ceifa'. Nos assemelhamos à erva do campo, ficamos dessa forma, na incerteza sobre, quem é o joio, quem é o trigo. 

Provamos do nosso veneno, afinal de contas, quem foi o maior ceifador até agora, senão a humanidade!?



domingo, 26 de abril de 2020

1158


COM A BOCA DE TODOS OS DENTES
26/04/20





No fundo de si, acalentava um desejo ... uma quase certeza ... de que havia um naco de alegria, reservado a ela - para ser abocanhado, pela sua boca cansada de reivindicar e maldizer.  Essa crença, era seu alimento - o que a mantinha viva e de pé.

Em dado momento, através de suas pernas firmes, iria ao encontro da alegria, mostrada em toda a sua graça ... e assim, caminhariam juntas, lado a lado.

Quando se visse à frente, da alegria tão esperada ... olharia para ela, com olhos brilhantes.  Quando ao sorrir-lhe, o faria com uma boca de todos os dentes; ao senti-la, a sentiria, com todo o vigor do músculo pulsante em seu peito.

Era isso que ela queria ... o que lhe estava reservado e pelo que tanto esperava, nem mais nem menos.

sábado, 25 de abril de 2020

1157

DISTÂNCIA E VONTADE
25/04/20




 

Não tem milagre que aproxime, dois corações que crescem em terrenos emocionais distintos. Embora possam estar juntos no papel; ou entalhados sobrepostos, nos troncos das árvores; podem até, estarem bem próximos fisicamente, mas o intervalo que os separa, sempre será tão largo quanto profundo.  Neste caso, distintos e distantes. 

 

Desde que queiram, os dois, aproximarem-se de fato, não apenas um ... é possível ser feito, mas será preciso explorarem um terceiro terreno, comum aos dois, que possa acomodar ambas raízes, nutrir suas folhas e caules, possibilitar suas flores e frutos.  Essa atitude perfeitamente possível e sensata, não será um milagre, e sim resultado, de uma firme e forte vontade aplicada, em benefício do crescimento e evolução de ambos.



arte | christian schloe

terça-feira, 21 de abril de 2020


1156

ALGO PRA SE PENSAR
21/04/20



Foi um sonho muito estranho, desses, que ao acordarmos, deixa uma impressão muito forte em nós e que perdura durante um bom tempo, no nosso consciente, como coisa não compreendida.  Às vezes, tenho alguns assim.

Não sei se eu tentava fugir ou me refugiar, se tentava entrar ou sair, mas ao conseguir abrir a porta à minha frente, me deparei com um segundo obstáculo, no mesmo batente.  Não era necessariamente, uma outra porta, estava mais pra um tapume, de um vermelho desbotado, fixo e preso nas mesmas dimensões da porta, sem maçaneta, sem dobradiças.  Era impossível movê-la, coloquei meu ombro de encontro à placa resistente, fiz a maior força, pra que pudesse abri-la, mas foi inútil, permaneceu rígida, como se tivesse nascido ali, como se nunca ninguém tivesse tentado movê-la.

A minha intenção era de 'fuga', não sei se pra dentro ou pra fora, mas era óbvio que precisava sair daquela situação, fazer um movimento, o quanto antes.

De repente, o obstáculo irredutível, não estava mais lá, então eu consegui ver o que havia no interior daquele aposento.  Era escuro e quase vazio, além de alguns restos de móveis, material de pintura, havia pó, muito pó acumulado, num quarto sem uso há muito tempo.  Parecia não ter janela, se tinha, estava fechada.  Não queria ficar nele, nem entrei.

Ao lado da primeira porta, à direita, havia uma segunda, que abri com facilidade.  Deparei-me com alguns leitos desfeitos, talvez recém usados, com lençóis amarrotados.  O que estava mais próximo da entrada, tinha sobre ele, algumas caixas de sapatos, fechadas.  Sem dúvida, não eram sapatos, o conteúdo delas. Isso me assustou, porque sabia disso!

Só consegui pensar em pequenos delitos meus, guardados dessa forma.  Pensei de primeira mão, que poderiam ser pequenos corpos, fetos, mas pensei: nessa vida, nunca cometi nenhum aborto, nem ajudei a praticar um.

Concluí, que talvez não fossem corpos, coisa nenhuma, mas sim, ideias e possibilidades abortadas por mim, cujas consequências funestas, me acompanhariam, por tê-las mantido encaixotadas, impedindo que viessem à luz.

Embora não fossem os pequenos corpos, do início, chorei por elas, igualmente.


arte | christian schloe

domingo, 19 de abril de 2020

1155

"SEDE PERFEITOS"
19/04/20





A que devo, a minha imperfeição?
ao 'barro' de que sou feito?
por poder ser desfeito, refeito?
quantas vezes, eu tiver precisão?
Toda vez que remoldo o 'barro'
na imperfeição eu esbarro!
Sei da imperfeição, que é da fôrma
e não da forma, que o barro conforma!

sexta-feira, 17 de abril de 2020



1154


 ENTRE SOMBRAS E ECOS
17/04/20 






O sentido da visão, é o que mais consome a energia destinada ao funcionamento do cérebro.  São mais de 25 áreas do córtex visual, envolvidas na análise de uma única imagem, ao ser analisada.

Depois de milênios fora da caverna, fomos obrigados a retornar para dentro dela.  Depois de termos descoberto e conquistado a liberdade; depois do nosso esquecimento, de como era o 'viver em confinamento' - somos forçados a nos enclausurarmos novamente, a nos relembrarmos daqueles tempos.

O fogo voltou a distorcer as sombras projetadas nas paredes - e pela importância da visão, em relação a todos os outros sentidos - elas têm o poder de nos aterrorizar.  Estamos a fazer desenhos, com tintas primárias e objetos grotescos, que serão deixados à posteridade, na superfície rude de pedra. Às sombras, se juntaram os sons, em forma de ecos, igualmente distorcidos e assustadores.

Vez ou outra, alguém tem que se aventurar ao exterior, em busca da 'caça'.  Não encontra animais selvagens, nem ferocidade das mandíbulas conhecidas.  Quem se aventura para fora da caverna, se expõe aos inimigos invisíveis, que de tão minúsculos, parecem inexistentes, mas permanecem desconhecidos e perigosos.

Os inimigos do homem, agora são outros; como são outros também, os homens, com mãos e pés amarrados - entre sombras e ecos.

E a história parece se repetir.


domingo, 12 de abril de 2020

1153

PRESENTE SEM DEVOLUÇÃO
12/04/20



As dádivas não retornam às mãos do criador.
As ondas do mar, depois de desfeitas sobre a areia, não se refazem, em fúria e estrondo, para voltarem ao fundo dos oceanos.  Isso seria uma sentença dada, somente ao homem feito, de retornar ao útero que lhe deu origem, reiterando-lhe todo o seu aprendizado e conquista.

sem devolução - que não se pode reverter, fazer no sentido inverso
reiterar - renovar, reafirmar

sexta-feira, 10 de abril de 2020

1152
A LUA COMO ENFEITE
10/04/20



A menina brinca, dança, canta
ao mundo ela encanta
adora um carrossel
acredita em papai noel.

A moça sonha, se torna bela
(à janela, se põe como sentinela)
se não vem o que espera, se rebela.

A mulher é quem concebe
as dádivas que recebe.
Ela é quem tece, em prece
seu manto, quando anoitece.
É a mulher quem acaricia.
Ela mesma quem realiza
(em desafiando a ciência)
pois até às pedras, solubiliza!
Responde à adversidade
com sua real maturidade.

Menina e moça, fazem a mulher
'aquela' - que conhece o frio entardecer
e sabe, que depois de toda noite
(treva com a lua, como enfeite)
vem o sol, como presente
trazendo ao dia, vida inerente!


segunda-feira, 6 de abril de 2020

1151

TOQUE DE RECOLHER
06/04/20





Da minha janela, eu vejo os meus dias desfilarem à minha frente, em vagões exatamente idênticos, atrelados uns aos outros.  Já não sei, qual é o que me leva à missa, ou às feiras, ou à casa de um amigo; não embarco em nenhum deles.  Não há locomotiva, nem carro-chefe; vão da direta para a esquerda, sempre; numa velocidade muito mais lenta do que gostaria que fosse - e isso me irrita, profundamente.

Às vezes, sinto que tenho em mãos, um rosário sem fim; cujas contas, seguro bem forte, uma a uma, em padres-nossos e ave-marias, para que me deem força, coragem, paciência e criatividade, de viver de forma diferenciada, cada um deles - tão absolutamente iguais.

Tenho também, aqueles, em que se arrasta diante de mim, uma procissão com andores padronizados e vazios, sem nenhum santo ou vela; vagarosa, ela passa diante da minha janela, silenciosa e monótona.

Estou dentro da caixa, como um sapato semi-novo e limpo, esperando sua vez de ser usado.  Existe apenas uma caixa, em que ainda persiste a minha liberdade de ir e vir - a craniana - mas confesso, que ela vem perdendo a habilidade de se deslocar.

Ao mesmo tempo em que desejo, que os dias, o trem, as contas e a procissão passem mais rápido; temo que assim, esteja desperdiçando uma parte preciosa da vida.

Olho para os panos dependurados em cabides, atrás das portas e dentro do armário - são meus planos e sonhos - adiados.

Vejo os pensamentos crescerem, como raízes secas de ervas daninhas, entre o reboco e a parede de tijolos; mas eles não têm muito como se expandirem - são pássaros de asas quebradas.

Não vejo grades ou trancas, não sou um condenado, nem sequer fui réu, mas obedeço ao toque de recolher.


quinta-feira, 2 de abril de 2020

1150

A VIDA EM SI MESMA
02/03/20





Ouço a floresta crescendo, debaixo dos meus pés.  São raízes silenciosas, que antes finas e fracas, se espalharam lateralmente, para sustentarem as pequenas árvores.  Hoje, grossas e resistentes, fixam gigantes, eretos, incólumes e majestosos.

As pequenas plantas, também se alastram com filamentos, acima e abaixo do solo, enrolando-se em torno de um eixo imaginário, à sombra das grandes copas, realizando a promessa de vida, da menor à maior semente.

Sou capaz de ouvir o sangue, que sobe e desce pelas minhas veias e artérias, fazendo fluir a vida; como escuto a seiva, viajando até cada minúscula folha e o alimento que sobe viscoso, pelo caule das árvores.  Pulsa no meu peito, na garganta, nas entranhas, nas mãos e pés; a mesma vida que percorre raízes, troncos e folhas, antes de explodir em flor e fruto.

Sinto o movimento das minhas células, a se multiplicarem, em atos de doação, revitalizando cada um dos meus órgãos, fazendo-os funcionar em perfeita harmonia, dentro de cada sistema do meu corpo.

Ao ar que chega até os meus pulmões, reverencio, assumindo uma postura de gratidão, pelo que recebo do universo.  Deixo que ele saia, pela fé depositada, no mesmo universo, de que suprirá minha existência, com o imprescindível oxigênio e muito mais.

A linfa drena todo o resíduo e a água má, expurga tudo o que já me foi útil.  Vou deixando que me limpe, como se um vento violeta, rodopiasse à minha frente, e me transpassasse dos pés à cabeça, levando com ele tudo o que me pesava, toda a energia que não condiz mais com a frequência, em que quero vibrar.

O fogo transmuta e a água lava.  Um queima as raízes do mal ceifado, que ainda resistem em mim, cauterizando as feridas; a outra, torna fértil, o terreno para que novas sementes venham se aninhar.  Meus dedos devem afofar e arar a terra, com pensamentos mais harmonizados, garantindo alimento às boas sementes.

No céu, eu vejo as asas, que se contraem e se expandem, em força e vontade, sustentando grandes e pequenas aves, que planam, pousam e alçam voo novamente.  Tudo é perfeito, assim, do jeito que é - é a vida em si mesma.

O rio que dessedenta, também limpa e leva para longe -  leva ao mar profundo, nossos males e dores, para depois nos devolver bençãos, em forma de ondas derramadas na areia.




1149

INEVITAVELMENTE
02/03/20



Mesmo que eu não consiga reter a ideia em minhas mãos, não cansarei de persegui-la, à distância.  Assim me certificando, de que trilhando o mesmo caminho que ela, um dia, cedo ou tarde, inevitavelmente, nos encontraremos, sem dúvida!