sexta-feira, 30 de agosto de 2024

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ÁGUAS IMPETUOSAS 

Ao apreço não se põe preço, ao vento não se coloca ponto.  A coragem se faz surda à dúvida e o fato é coisa havida.  Barragem só represa água calma, o estouro é nossa incúria perante sua fúria.  As emoções têm a força das águas; a alma tem o poder de conter a carne, até que desencarne.  Se torna então, assombração, dementada, criatura fragmentada em arrependimento e ressentimento, num misto de revolta e autocomiseração.

1671




A VELA BOA E O MAU ENTENDEDOR 

"Para o bom entendedor meia palavra basta" ... e para o mau?  Nem um tutorial longo e detalhado é capaz de explicar algo, a quem não pretenda entender.  Mas ao bom mesmo, um olhar, já seria o suficiente, poupando discursos exaustivos.  Quem se esforça para passar a mensagem e não tem êxito, gasta seu tempo, vocabulário, paciência, como se gastasse vela boa - um desperdício de pavio e cera com um defunto surdo e estagnado na sua ignorância.


 

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

  1670





À SOMBRA DA DÚVIDA

É sob ela que vivemos.  Alguma certeza?  Única - a da mudança, eterna incerteza.  Impossível é acreditar no que vemos e é sábio não considerar o que ouvimos; pois que, quase tudo o que se vê, pode ser imagem adulterada; nem tudo o que se ouve é verdadeiro.  Nestes tempos de invenções e intenções escusas: de nos fazer perder a evolução adquirida, de nos retirar do caminho correto, de inverter a importância das coisas, do certo ser feito o errado, do errado ser promovido a correto - manter o equilíbrio é exercício hercúleo. De certo mesmo, só podemos contar com o que sentimos, e o que sentimos, invariavelmente, nos leva à insegurança.

A respeito do que se diz, sobre a sombra que nos protege do sol, essa sombra não nos protege de nada; muito ao contrário, nos expõe às influências tóxicas, disponíveis indiscriminadamente, dando origem às causas de instabilidades emocionais de todo tipo.  Sem considerar idade, sexo, credo, posição social, está aí, para quem quiser permanecer sob ela, num emburrecimento democrático e perverso.



quarta-feira, 14 de agosto de 2024

1669




DOIS MAIS DOIS 

Eu tenho que admitir, que em alguma gaveta secreta eu guardo uma peça egoísta, para ser usada em momento oportuno.  Do contrário, estaria sendo hipócrita. 

Não é quando, a razão se convence, de que o desprendimento é sinal de superioridade, que eu me torno desapegado.  Não é quando, eu percebo que o melhor é deixar ir, que eu sou capaz de soltar. 

As conclusões a que chego, hoje, não me fazem melhor do que ontem - são transpirações do meu intelecto, que sabe fazer contas e chegar ao resultado adequado, de quanto é ‘dois mais dois’ - somando as bordoadas educativas, que recebe.  O que de fato, pode me fazer melhor do que antes, é exercitar a mudança de comportamento, na maioria das vezes, tão cristalizado.

Entre o convencimento do mental e o arrastamento do hábito, haverá ainda, muita palavra dura, muita voadora no peito – dadas e recebidas.   É preciso arrumar aos poucos, e bem aos poucos, cada cantinho oculto, revirando as tralhas que permanecem lá e das quais ainda me sirvo.

Entre a sombra e a luz existe uma infinidade de tons mesclados, alternantes para frente e para trás ou se quiserem, para baixo ou para cima.  Após uma claridade ou um progresso, espera-se a escuridão reincidente que faz retrogradar, num processo muito lento, porque é preciso antes, desconstruir o que está velho e dar conta de toda a sujeira.

Jogar fora a peça da gaveta, botar em desuso a palavra dura e sossegar o pé voador, são coisas necessárias e inevitáveis. Costumes muito enraizados, pedem um grande esforço, para se desprenderem de nós.   Antes que a luz possa ser mais forte, haverá tempo de muita bagunça.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

 1668




SEM PÉ, NEM CABEÇA 

Impossível um ser se estabelecer como vivente, sem conexão com a terra e sem ligação com o céu.  Seria assim, uma ‘coisa’ sem raiz e sem juízo, andando a esmo, ao sabor dos ventos, a mercê da força das águas. Um tronco que nasce, cresce e morre. Ignorando sua verdadeira procedência – a do espírito; desperdiçando a força que a vida lhe oferece.  Uma sobrevida ambulante, sem consciência, sem sentido, e embora, de fato, não lhe falte nenhum pedaço do corpo, não pode ser chamada de gente.


 1667

 


ESPELHO, ESPELHO MEU 

Sejas cuidadoso e só me reveles o que eu puder suportar, em porções, para que possam ser engolidas e digeridas, devidamente.  Algo brusco, temo, poderia afetar minha serenidade e sanidade, um tanto quanto voláteis!  Não espero que me ofereças falsas imagens; mas vás aos poucos, tirando minhas máscaras, inclusive aquelas das quais não tenho consciência de que as uso.  Uma por vez, e de maneira carinhosa, com a compaixão de não as arrancar à força.  

Antes, preciso me acostumar à ‘cara lavada’, sem artifícios de disfarces para os meus defeitos. São muitos, bem eu sei, mas eu peço tempo, para que venham cair como camadas ou mesmo como as peles das cobras, sem que deixem a carne viva por debaixo.  Tenho receio de ver-me nu e não gostar do que o reflexo mostrará.

Que tu me concedas tempo para a adaptação, entre uma e outra intervenção, tempo para a sutura e cicatrização.  Espero que as tuas revelações venham com as ferramentas necessárias para a reforma, ou ainda, que eu saiba onde encontrá-las.


sexta-feira, 2 de agosto de 2024

1666




REMANSO

Há pessoas que são puro remanso, que vêm ao nosso encontro, já no portão de suas casas.  Nos levam para dentro, nos sentamos na sala, às vezes no chão, como crianças falantes; às vezes, nos deitam em seus colos, como adultos chorosos.  Partilham de sua mesa de carinho, quando estamos com fome; nos levam para perto da lareira, quando sentimos frio.

Sabem entender das dores alheias, porque reconhecem as suas próprias dores; nos abraçam muito mais do que com seus braços e corações imensos - e lá, nos sentimos mais em casa, do que na nossa.

E depois de chorar, nos mostram os seus jardins e nos oferecem flores, que eles mesmos cultivam.