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Á TERRA, AS COISAS DA TERRA
Se desapegar o coração e abrir mão do peso da cabeça, meus
pés vão se despregar do chão, revogando a lei da gravidade. Eu
subirei ao céu, como um desses balões cheios de gás. Deitada em plumas de nuvem, confortavelmente acomodada
e levada pela brisa, serei carregada até o ponto, onde é possível subir, aquele
mesmo por onde passam os foguetes - pelo ‘olho do coco’ da atmosfera. Estarei ultrapassando a película que envolve
o planeta, sem lhe causar ou sofrer dano algum.
Diferente dos foguetes, não será necessária nenhuma cápsula envoltória de proteção; não será preciso assumir outra postura, vou assim mesmo, deitada e aconchegada. Terei apenas uns poucos fios de cabelo, esvoaçantes, indicando que estou em movimento. Irei até onde posso ir, sem deixar de ser eu mesma ou sem deixar de pertencer à terra que me formou. Embora meu espírito seja desejoso de ir além, devo antes disso, deixar aqui, a matéria que o contém.
Desse ponto máximo alcançado, farei o caminho de volta, em
idêntica condição e segurança, em velocidade boa para que eu possa apreciar,
aumentando de tamanho, as coisas da terra, que antes, vi diminuindo bem
devagarinho.
Chegando de volta, antes que eu retorne à posição ereta, serei
depositada sobre a relva. De olhos
fechados, consigo escutar a natureza que canta ao meu entorno: o murmúrio das
águas, o farfalhar das folhas e das asas dos insetos e pássaros; ouço todas as
vozes, cada uma com sua linguagem. Sinto
a vida de todas as criaturas de todos os reinos da criação fungando perto de
mim, tão curiosas sobre a minha presença, quanto eu, sobre a presença
delas. Os cheiros, as texturas me parecem
ser novos, consigo até pressentir os seres que vivem escondidos dentro da criação, me
observando.
Permaneço ali, por um tempo que sou incapaz de definir, mas julgo
ser longo, porque debaixo de mim, ouço que as raízes crescem, os ramos sobem
sobre meu corpo, que agora readquiriu peso, meio que perpassando-o e se confundindo com ele. Nessa interação, de simbiose benéfica, os últimos resíduos ruins, saem de mim e de alguma forma são transformados e reaproveitados. Não perdemos
as características que nos diferem; ao contrário, reforçamos o vínculo que
temos, unidos pela partilha das mesmas substâncias que nos compõem, pela consciência
da influência mútua existente, pelo acordo de boa convivência, que reiteramos.
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