domingo, 9 de abril de 2023

1580


 

ÂNCORA CERTEIRA

Pensei estar boiando sobre a superfície da água.  E estava, só que de cara para baixo.  Da minha boca escapavam bolhas de ar; eu tinha os olhos arregalados, mas sem enxergarem; os membros paralisados.  Estava preso por um fio invisível, que me mantinha ligado a um ponto específico do fundo, por uma âncora imaginária e nem por isso, menos precisa.  Podia-se dizer que eu era um vivo-morto, porque conservava a posição horizontal, jazia debaixo d’água, porém a consciência ainda estava presente, presa por um outro fiozinho invisível.

Sem nenhum movimento do corpo, a única coisa livre e capaz de mover-se era o meu pensamento, usando de uma autonomia que eu não possuia.  Nessa altura, já não sabia, se era eu quem pensava ou se era o pensamento, que carregava a minha mente dentro dele.  Ali, debaixo d’água, ele fatalmente, tendo suas asas molhadas, forjara membros em forma de remo para conseguir nadar.


arte __ agnes cecile

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