domingo, 30 de abril de 2023

1589




VÉU, FRUTO E DESTERRO


“Quem come do fruto do conhecimento, é sempre expulso de algum paraíso.”   __ Melanie Klein


Não é sobre 'castigo certo' ou 'pena devida'.  É sobre a sequência dos fatos, quando comermos do fruto do conhecimento - o sabor novo e adocicado que alimenta não só a boca, mas enche e encanta o próprio ego.  Transforma-se numa responsabilidade a mais - seguir adiante ... e não o fazer é uma inércia que pesa.  A ignorância é quem nos manteve 'protegidos' e confortáveis até agora, e não o 'acaso'; desde que, foi nossa, a escolha de comermos do fruto.  O desterro é obrigatório e automático, porque já não somos mais os mesmos.

Colocarmos em prática o que nos foi revelado, agregar esse sabor à vida, de uma forma sábia, incorporando-o à nossa maneira de ver e agir - significa termos que deixar a zona conhecida, para irmos em busca de outros e novos terrenos, com seus respectivos e ignorados desafios.

Uma vez que o véu se levanta sobre algo oculto, não é possível torná-lo desconhecido novamente ... pois todo véu levantado, se desfaz por completo e instantaneamente.



sábado, 29 de abril de 2023


1588



 EL PODER DE LOS RÍOS

Los ríos brotan tímida y modestamente de sus nacimientos, se empiezan a notar cuando sus aguas amenazan con sus crecidas a los ribereños. Así es el amor, nace como brotado en la superficie, saliendo de los confines de la tierra - de su vientre o de su centro - imperceptible, chorreando, casi no sospechoso; pero cómo un río también, puede volverse caudaloso y peligroso.

sexta-feira, 28 de abril de 2023

 1587




O BENEFÍCIO DA DÚVIDA

Chamas gêmeas anseiam por se encontrarem, mas nem sempre isso se dá a tempo, de viverem e construírem algo juntos.  Se somadas, o resultado seria muito maior do que a força e poder que cada uma carrega, em separado, porque potencializam-se um ao outro.

Por caminhos tortuosos que escolhem trilhar, no começo de suas vidas, afastam-se, para se encontrarem muito mais tarde.  Reconhecem-se logo de imediato, e surpresos pelo encontro inesperado e tardio, uma certeza se apossa dos seus corações -  um impulso avassalador e profundamente nostálgico, causa-lhes no íntimo, uma sensação de saudade, da felicidade que não se viveu.  

Sob o benefício da dúvida: se esse encontro se desse nos tempos tenros de cada um, certamente o impacto e consequências, seriam outros.  E ainda mais, se se encontram  amadurecidos, quem sabe, não venham a se encontrar em uma outra existência - e é tudo o que mais desejam!






 

1586

 


Á TERRA, AS COISAS DA TERRA

Se desapegar o coração e abrir mão do peso da cabeça, meus pés vão se despregar do chão, revogando a lei da gravidade.   Eu subirei ao céu, como um desses balões cheios de gás.  Deitada em plumas de nuvem, confortavelmente acomodada e levada pela brisa, serei carregada até o ponto, onde é possível subir, aquele mesmo por onde passam os foguetes - pelo ‘olho do coco’ da atmosfera.  Estarei ultrapassando a película que envolve o planeta, sem lhe causar ou sofrer dano algum.

Diferente dos foguetes, não será necessária nenhuma cápsula envoltória de proteção; não será preciso assumir outra postura, vou assim mesmo, deitada e aconchegada.  Terei apenas uns poucos fios de cabelo, esvoaçantes, indicando que estou em movimento.  Irei até onde posso ir, sem deixar de ser eu mesma ou sem deixar de pertencer à terra que me formou.     Embora meu espírito seja desejoso de ir além, devo antes disso, deixar aqui, a matéria que o contém.

Desse ponto máximo alcançado, farei o caminho de volta, em idêntica condição e segurança, em velocidade boa para que eu possa apreciar, aumentando de tamanho, as coisas da terra, que antes, vi diminuindo bem devagarinho.

Chegando de volta, antes que eu retorne à posição ereta, serei depositada sobre a relva.  De olhos fechados, consigo escutar a natureza que canta ao meu entorno: o murmúrio das águas, o farfalhar das folhas e das asas dos insetos e pássaros; ouço todas as vozes, cada uma com sua linguagem.  Sinto a vida de todas as criaturas de todos os reinos da criação fungando perto de mim, tão curiosas sobre a minha presença, quanto eu, sobre a presença delas.  Os cheiros, as texturas me parecem ser novos, consigo até pressentir os seres que vivem escondidos dentro da criação, me observando.

Permaneço ali, por um tempo que sou incapaz de definir, mas julgo ser longo, porque debaixo de mim, ouço que as raízes crescem, os ramos sobem sobre meu corpo, que agora readquiriu peso, meio que perpassando-o e se confundindo com ele.  Nessa interação, de simbiose benéfica, os últimos resíduos ruins, saem de mim e de alguma forma são transformados e reaproveitados.  Não perdemos as características que nos diferem; ao contrário, reforçamos o vínculo que temos, unidos pela partilha das mesmas substâncias que nos compõem, pela consciência da influência mútua existente, pelo acordo de boa convivência, que reiteramos.





sexta-feira, 21 de abril de 2023

1585




 A PRESENÇA DENTRO DA AUSÊNCIA

Tua ausência, eu a preencho com a tua presença - a de outros dias, aquela que tenho guardada em mim.  Abro as janelas, a luz entra e invade todos os espaços vazios, com a minha simples lembrança. Porque tenho um querer sem grandes pretensões, apenas manter-te vivo, estejas presente ou não.

Ah!  Já, na presença de tua presença, és o próprio sol que se abre, em grande espetáculo e eu me esforço em memorizar cada detalhe do teu rosto, sob a claridade plena, ao vivo e a cores.   Gravo toda a expressão dos olhos e face, os gestos que fazes com a boca, o som da tua voz, para que na tua ausência, eu tenha a mais perfeita imagem de ti, cravada em mim. Terei então, uma ausência carregada de presença.


arte __ choi mi kiung

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UM OLHAR SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO

SENTINDO NA PELE

Têm coisas que os olhos veem, mas se pudessem, escolheriam não ver.  Os nervos experimentam sensações que os deixam em frangalhos; os ouvidos ficam doloridos, por palavras cortantes, que entram pelas cavidades sem portas; e igualmente aos olhos - os nervos e ouvidos, também prefeririam não terem sentido, nem escutado.

Tudo que o espírito presencia, desce e expande-se pelo corpo, através das terminações nervosas, ficando gravado na memória; não na lembrança localizada no cérebro; mas em cada uma das células do nosso corpo, pois é por meio delas que vemos, sentimos e guardamos as impressões, de tudo o que nos acontece.  A mente se encontra dispersa por toda a nossa constituição física, é por intermédio da carne, que o espírito pode sentir - ele sente na pele, literalmente.

Depois dos fatos inevitáveis, pelos quais passamos, uma memória negativa, fica como resíduo e incorpora-se à cada célula - alterando sua estrutura e funcionalidade.   Se não transformarmos o significado dessa ‘memória’, podemos ver nossas ‘unidades de vida’, serem consumidas, pouco a pouco, pela doença emocional, mental, psíquica e finalmente, física.  O corpo é feito de inúmeras partes: células, tecidos, órgãos, sistemas, todos interligados, atuando de maneira magnífica; porém o sistema nervoso, o endócrino e o imunológico têm uma ligação direta e simultânea, qualquer abalo sofrido num deles, impacta aos outros.

Impossível apagar essas memórias de tempos difíceis, que ao relembrá-las, com toda a sua carga emocional, voltamos a sentir as mesmas dores de antes.  Se não substituirmos a ‘sensação de sofrimento’, que elas carregam, por um ‘sentimento de superação’, que podem conter, seremos vítimas de nós mesmos.  Os fatos inevitáveis e desagradáveis não são opcionais, mas a releitura deles é uma escolha, que podemos fazer pela nossa saúde.



quinta-feira, 20 de abril de 2023

 1584



CHÃO DO CORAÇÃO

Difícil dizer quantos sentimentos moram no chão de um coração.  Dos que lá habitam, quais são os que têm voz?  E daqueles que não tem voz, quantos se calam de verdade?

Responder a essas perguntas, é fazer passa-los por peneiras, cada vez mais grossas; ao final, todos acabam passando.  Porque os sentimentos que não gritam, gemem; os que não gemem, sussurram ... e há ainda aqueles, que mesmo sem chances de crescer, crescem à revelia.  Apesar de não emitirem um único som, dirigem nossas vidas.


arte __ amanda cass

terça-feira, 18 de abril de 2023

1583



NUNCA Y SIEMPRE

Nunca se trató de ti. Es el fruto de el delírio - el castillo construido con piezas pequeñas y ficticias, hechas de la sustancia de un sueño, extraídas una a una, superpuestas y unidas por la argamasa de la imaginación. Siempre ha sido sobre mí, mis creaciones y expectativas: producto de una mente fértil y un corazón necesitado ... o al revés!

Inicialmente escribí una novela, que con el tiempo se convirtió en un drama. ¡Pero es así! Cuando te atreves a escribir una ficción, uno se queda sujeto a inconsistencias con la realidad, pero tales discrepancias son responsabilidad del propio inventor ... y él lo sabe!

Fue así que amé solo, bailé solo, esperé solo al objeto de mi deseo, que nunca se acercó tanto como yo quería que se acercara y nunca dijo lo que esperaba oír.

Este es el precio que se paga por insistir en la producción independiente: crear un embrión híbrido, gestado en el laboratorio de las ideas, cuyos genes incompatibles no permiten la continuidad de la vida, dada a él.

sábado, 15 de abril de 2023

 

1582



DESADORMECER

Foram as minhas crenças que me trouxeram até este ponto.  Elas foram úteis, me protegeram dos meus medos e de um certo modo, me mantiveram a salvo, daquilo que me era desconhecido.  Reconhecidamente, foram muito importantes na minha vida. 

Hoje, depois de um pequeno desadormecer, consigo ver, com um pouco mais de clareza e pensar, com um pouco menos de inexatidão do que antes.  Rendo a elas, toda a gratidão por terem me sustentado até aqui, como companheiras fieis. 

Como se eu precisasse de mais ar, de um cômodo e uma janela maiores, com uma porta mais larga, devo deixa-las, aí onde estão e me dirigir ao ponto seguinte, mais arejado e mais  iluminado.  Do contrário, permaneceria marcando passo e afundada em escombros imprestáveis. 






quarta-feira, 12 de abril de 2023

 1581



¿SERÉ?

 ... capaz de confesarme alguna vez? 

¡Ese sentimiento pude convierterse en una foto vieja y gastada, guardada dentro de un libro, que puedo olvidarme donde la dejé!  De tanto pasar el tiempo, de tanto manipularla ... se puso amarilla y desgarrada.

Si por fin, allá en el futuro muy lejano, puder hablar libre ... yo, viejo, pero sin olvidarme de lo sentimiento guardado, mismo que eso, pueda parecer un absurdo de mi demência – voy a confesar!


domingo, 9 de abril de 2023

1580


 

ÂNCORA CERTEIRA

Pensei estar boiando sobre a superfície da água.  E estava, só que de cara para baixo.  Da minha boca escapavam bolhas de ar; eu tinha os olhos arregalados, mas sem enxergarem; os membros paralisados.  Estava preso por um fio invisível, que me mantinha ligado a um ponto específico do fundo, por uma âncora imaginária e nem por isso, menos precisa.  Podia-se dizer que eu era um vivo-morto, porque conservava a posição horizontal, jazia debaixo d’água, porém a consciência ainda estava presente, presa por um outro fiozinho invisível.

Sem nenhum movimento do corpo, a única coisa livre e capaz de mover-se era o meu pensamento, usando de uma autonomia que eu não possuia.  Nessa altura, já não sabia, se era eu quem pensava ou se era o pensamento, que carregava a minha mente dentro dele.  Ali, debaixo d’água, ele fatalmente, tendo suas asas molhadas, forjara membros em forma de remo para conseguir nadar.


arte __ agnes cecile

sábado, 8 de abril de 2023

 1579




¿QUIÉN SABE?

Si me lo hubieras preguntado, tal vez lo habría negado. Y si lo hiciera, tal vez no lo diría todo, por falta de palabras. Tenía miedo de no poder sostenerlo – de no poder contenerme y tenía miedo de no poder decirlo – de mentir.  Tenía miedo de todo, pero vivir no es para los que tienen miedo, es para los que se atreven.


arte __ Manuel Clemente, escritor português