domingo, 28 de abril de 2024

 1650




CRIADOR E CRIATURA

Joguei pedras, ignorando que eu tinha janelas.  Tentei alimentar minhas expectativas, depois de cria-las, sem desconfiar, que elas nunca se deixariam domesticar, porque obedecem à natureza selvagem.

Quando minhas vidraças quebraram, pelo efeito rebote dos meus arremessos, fiquei em meio a cacos (alguns bem pontiagudos que feriram) e a uma bagunça de estilhaços menores, que tive que recolher e dar-lhes um destino.  Muitas pedras também, tive que retirar para limpar o espaço onde eu pudesse habitar.

Algumas janelas ainda se encontram sem vidro, através delas posso ver as expectativas pastando livres, pois como sempre, se recusam a comer do alimento que temos a oferecer, preferem se alimentar do que mais lhes agrada – afinal, eu não sei exatamente do que elas vivem!  Vejo algumas, que foram ‘pretensiosamente só minhas’ e que ainda estão por perto.  

Reconheço que outras pessoas, como eu, cometeram o mesmo erro, quiseram colocar-lhes uma coleira ou gravar-lhes uma marca, para tê-las sob controle, mas é óbvio, que depois de criadas, não obedecem ao seu criador.


quarta-feira, 24 de abril de 2024


1649 



FLOR, FOLHAS E FRUTOS 

Uma flor nasceu dentro, sem arroubos coloridos ou de formosura, mas cresce sincera e real.  Ela vive do céu, do solo que a alimenta e a mantém fresca e viçosa; dando-se aos pássaros e insetos que lá vivem.  Bebe também, das chuvas bondosas que caem e lhe tiram a sede.  Os ventos a vem balançar, os raios de sol dançam sobre ela, e em desapego, entrega-se a enfeitar o chão.

Na sua simplicidade e pureza, representa e traduz em formas, o amor, no outono da vida, onde só se esperaria folhagem e frutos.    E no meio das folhas amarelas, faz sobressair a autenticidade e a alegria.  Apesar das folhas caídas e dos frutos não vingados, há folhas que se conservam verdes, há frutos à espera de serem colhidos.


arte __ ottokim

segunda-feira, 15 de abril de 2024

 1648



AQUI

Eu te guardei dentro de mim, longe dos olhares questionadores e a salvo das impossibilidades.  Não me ocorre nenhuma pergunta a ser feita; e aí onde estás, és plenamente possível.





segunda-feira, 8 de abril de 2024

 

1647


 

O MAIOR COMPROMISSO

Prometo não mais, me deixar ferir por ninguém; nem me ferir, por motivo algum!   Darei a cada dia, a sua dor; e à dor, nenhum dia além do que lhe for devido.  Porque sempre haverá aqueles, que ávidos em ferir, por dores, que querem fazer parecer serem alheias, e absolutamente não o são.  Pelo simples prazer ou para dividir a sua dor e nos fazer sentir como se sentem - é de costume, que estejam a ferir, antes que se possa feri-los.  Como num movimento de autodefesa, adotam esse mau hábito, para amenizar o caos que vivenciam em si.

Eu me prometo, dar-me paciência, respeito, valor e admiração.


1646


NEM SEI DE QUÊ

Eu não vejo as andorinhas, sei que elas existem, mas não as ouço, tento me lembrar do alvoroço que fazem.  A minha criança, na sua simplicidade, espera por elas ...  E ela tem fome, nem sei de quê!

Quanto a mim, ouço apenas o murmúrio constante das águas desperdiçadas, que descem para lá do meio-fio, de dentro de mim.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

 1645




NA MELHOR DAS HIPÓTESES

A cada passo, a coragem e determinação.  A cada hora, a sua dor.  A cada dia, os seus tormento e cuidado.  A cada semana, a sua feira e a sua devoção.  A cada mês, o seu salário e a cada ano, os seus votos.  A cada década, as suas conquistas e a cada existência, o seu propósito. 

Pequenos pedaços de vida; grandes espaços de espera; a montanha russa dos humores; a curva incerta das certezas,  Alegrias que não se sustentam, mas feliz e igualmente, as tristezas que não perduram! 

Toda noite, o céu pisca para nós, como a dizer-nos: “não tema, porque o sol vai voltar.”  Todo dezembro, vem nos lembrar de outras primaveras, verões, outonos e invernos que ainda virão.  Toda existência nos promete nova chance de errar menos ou de acertar, na melhor das hipóteses. 

A todo instante, uma oração, um horizonte novo, uma folha em branco, energias renovadas.  Afinal,  tudo é questão de constância, insistência, resistência; e não necessariamente nessa ordem.