quarta-feira, 29 de novembro de 2023

1622




JUSTIÇA SEJA FEITA, SEMPRE! 

Eu concedo a mim mesmo, o 'benefício da dúvida', não no âmbito do direito criminal, pois ninguém está sendo acusado de nada - sem crime, sem culpado.   

É essa justiça que quero para mim - poder aliviar a consciência, pelas inúmeras possibilidades desprezadas, quando fiz a minha escolha.  Alívio também, para o coração, incerto de ter sido amado  ... e ele prefere acreditar que sim!

É esse o significado de benefício, nesse caso - uma certa clemência, para suavizar as minhas perdas; uma auto compaixão, pela minha própria desventura.  Parece que assim, a lâmina da incerteza diminui seu poder de corte; é óbvio que fere e ferirá, mas com menos profundidade, espero!

E ainda que seja necessário apontar um culpado, aponto a mim mesmo, como o único responsável, alternando-me entre os papéis de juiz, carrasco e sacrificado.


domingo, 19 de novembro de 2023


1621


UMA IMAGEM, UMA IDEIA

Dia desses, coçando freneticamente meus olhos, eu vi aquele monte de desenhos caleidoscópicos e coloridos que se formam, quando friccionamos o globo ocular, mesmo ainda, estando fechado.  Antes que desaparecessem por completo, firmei o foco na imagem que se delineou e pude ver uma mulher sentada sobre o que parecia uma pedra, à beira de um rio.   Tinha um perfil sereno, com roupas compridas e um pano cobrindo sua cabeça, como um tipo de véu grosso, do mesmo tecido da saia.  Olhando de frente para a cena, o rio corria da esquerda para a direita e era justamente à margem direita que ela se encontrava, impassível.  Não consegui identificar naquele olhar, nenhum tipo de emoção, apenas talvez, eu arrisco: um sentimento profundo de gratidão.

Procurei encontrar um significado para tal imagem, algo que fizesse sentido para mim.  Foi automático, na sequência, logo me veio à mente, a palavra consciência.  De imediato, não consegui ligar as duas coisas, não fazia ideia de como uma ponte havia sido estabelecida, entre a imagem e a palavra que saltou do nada.  Confesso que pensei nessa figura por alguns dias, tentando organizar os ‘insights’ que surgiram na minha mente.  Hipóteses passaram pela minha cabeça ... onde poderia localizar a representação da consciência? ... qual a representatividade do rio? ... não cheguei a conclusão alguma.


Como sei que toda ideia tem seu tempo de maturação, a demora não me incomodou e enfim, consegui entender o seu significado.  Então, como alguém que aprecia por um longo tempo, uma pintura pendurada na parede de uma exposição -  eu pude, por fim captar e decifrar o que ela queria transmitir, de uma forma que fez total sentido.  O enigma havia sido decifrado.


Muito se fala sobre o peso que uma consciência pode carregar, e o que seria a consciência, então?  … Algo capaz de conter medidas de peso, em pratos metálicos?  Creio que essa ideia não seja a mais adequada!  Pois a consciência é a lembrança em nós, do que fizemos ou não, de forma consciente ou nem tanto.  O peso não é colocado nela, ele é agregado ao nosso coração.


Voltando agora para a imagem inicial, da mulher à beira do rio.  Olhando-a de frente, a consciência corre para o lado direito, as águas que ora passam pela mulher e estão à sua esquerda, formam uma linha de continuidade ... as águas podem ser as mesmas, mas o rio já não o é.


A mulher da cena está de costas para as águas passadas, mas pelo sua postura calma, não é de desdém ou revolta pelo que já foi ou como as coisas aconteceram; mas de um sentimento de aceitação.  Seu olhar suave repousa na direção das águas que ora passam e daquelas que se perdem das suas vistas - é nítido que não existe culpa, que possa pesar sobre as águas ou sobre o coração: o que libera o curso delas, em direção ao futuro e liberta a capacidade dele, de viver novos momentos de plenitude, com confiança e alegria, coloridos de novas cores e repletos de novos perfumes.



sexta-feira, 10 de novembro de 2023

       1620



 


MEU TAMANCO AMARELO


Eu me lembro dele perfeitamente, como se o visse agora, nos meus pezinhos brancos e pequenos. Tinha tirinhas amarelas em número maior do que as brancas, cruzando umas sobre as outras, por isso mesmo me lembro dele como ‘meu tamanquinho amarelo’.  O solado era feito de madeira clara e barulhenta ao dar meus passinhos, detalhe que fazia dele - meu calçado ideal.  Eu calculo quanto eu perturbei, com o toque dele no chão, cada vez que eu pisava, mas disso também não me lembro.  Acho que eu me achei o máximo - para cima e para baixo, com o meu pisar sendo notado por todos - a avisar: olha quem está passando!


Foi meu avô quem comprou para mim, e eu imagino que ele não deve ter resistido à minha carinha de apaixonada, tão logo botei meus olhinhos sobre ele, na vitrine.  Estávamos numa viagem à praia, meus avós e eu; e por mais que eu gostasse de ir à praia, a minha lembrança dessa viagem não inclui nem o mar, nem as construções na areia, sinal de que, ele marcou mesmo minha memória.  Esse presente conseguiu superar até a minha paixão por bolsas, porque não consigo me lembrar de nenhuma delas no meu braço, enquanto fazia meus passeios com ele.


Coisa boa!  Essa lembrança me faz voltar lá, nos meus oito aninhos, tendo a atenção, o olhar carinhoso dos meus avós sobre mim e o toc-toc do meu tamanco, parecendo música aos meus ouvidos.