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De tempos em tempos, um terror se apossa do meu ser. Não sei de onde vem, qual sua idade, porém conheço a sua fome. De entrada, abocanha a minha fé, ainda morna, como iguaria rara e tenra; para depois se fartar das minhas outras boas defesas: espera paciente, enquanto elas esfriam sobre a pedra rústica da incerteza criada. Na sequência, assalta as minhas emoções, ao provocar-me sensações desagradáveis; e sem explicar-se à razão, sequestra a minha atenção, a um turbilhão louco de ideias e sentimentos.
Creio que esse medo, misturado a um certo tremor, seja bem mais velho do que eu, mas sem dúvida, temos uma conexão, também de longa data - pois, ao aproximar-se, sempre, reconheço-lhe as feições e humores. Em algum lugar, deve haver uma porta esquecida aberta, que lhe dá chance de transpô-la e se acerca, sem cerimônia ou aviso. Passa por ela, sorrateira, uma emanação gelada e rasteira, de cor indefinida, até que se condensa numa figura disforme. Incoerentemente, essa massa fria causa-me um efeito ardente, nas vísceras contorcidas.
Felizmente, em algum momento dentro do turbilhão, entre as oscilações que tenho, encontro-me mais à superfície, e assim, mais próxima da saída. Por misericórdia ou mérito, eu recupero a terra firme, e ele retorna ao reduto desconhecido. Infelizmente, minha fé ainda não é robusta o suficiente para rechaçá-lo, logo nas primeiras investidas. A porta precisa ser fechada, selando a entrada, para tornar inacessível a sua passagem.
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