1398
DEPOIS DE NÓS
Apesar do meu amor às palavras, sei que elas são códigos e arrisco-me em dizer, que a linguagem escrita/falada é algo incompleto/imperfeito/vago/pessoal, quando se trata de descrever sensações, emoções e sentimentos. Por estar sujeita à visão de quem conta; por deixar margem à interpretação, segundo o conteúdo de quem a recebe ... confiar no 'ipisis litteris', para atestar a veracidade da coisa, é no mínimo, arriscado.
Por mais e melhor que se fale, não será contada toda a 'história', porque as palavras não entram nas suas minúcias mais dissimuladas. Por mais detalhes com que se conte, nunca dirão tudo - a soma de todos eles, não será redonda. Porque por sua vez, os sentimentos não cabem nas palavras e estas são insuficientes para captarem, codificarem e traduzirem uma mensagem limpa de ruídos; sempre sobra um resíduo inverdadeiro ou falta um pouquinho, para transcrever com fidelidade e retratar a real amplitude do sentimento envolvido.
Toda a história contada, será um reflexo distorcido de uma cena, nunca a própria cena - terá cores, luz e expressões nem sempre perfeitas e apropriadas. A memória é fraca, as palavras são meros e parcos paliativos, para se tecer uma trama de forma concisa e fiel.
Quem conta, já não está imerso na emoção do momento, podendo dar a impressão de ser frio demais ou de ser dramático e tendencioso, na intenção de direcionar a um certo resultado, os nervos de quem lê. Quem conta, sempre aumenta um ponto, omite outro, aperta um aqui, afrouxa um ali - uma arte de mãos, como bordar, tricotar, e cada trabalho sai diferente.
Eu não diria que as palavras mentem, apenas digo que elas se esforçam por contar um fato, o que se dá de maneira pessoal e subjetiva, pois nesta estória, só existe uma parte que não sabe mentir - é o que 'se sente'.
De qualquer forma, é preciso contar, é assim que a história passa adiante, de boca em boca ... ou melhor - de folha em folha.