A VIRADA
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Era 31 de dezembro,
noite da virada, em que as pessoas se programam sobre o que fazer, comer, beber
e vestir. Alguns preferem o branco – por
tradição ou pelo efeito da cor nas fotos.
Outros escolhem outras cores, até por rebeldia. Uns se contentam em vestir o que têm.
Ela escapou do branco
total, tinha escolhido pra aquela noite, um vestido branco com pequenas listas
azul marinho. Era algo bem atual, com
babado na barra e nas mangas – uma verdadeira pechincha.
Escolheu brincos azul royal, de pedras
brasileiras pra usar junto, correntinha, pulseira e anel dourados. Usaria um tamanco de verniz branco, com sola
de cortiça – perfeito!
Cuidou do cabelo – encaracolou
as pontas. Caprichou na maquiagem,
acertou nos tons – deu destaque aos olhos.
Passou um perfume que havia ganho e guardou pra essa ocasião.
Depois de todo o
preparo, colocar o vestido foi a última coisa que fez. Olhou-se no espelho e gostou muito do
resultado, tinha superado a expectativa.
Até seu cabelo tinha colaborado – e as mulheres sabem o que isso
significa, coisa rara.
Estava se sentindo
muito bem, confortável, vestida adequadamente pra ocasião e local. Sabia disso.
Embora simples e discreta, a sua escolha lhe caiu bem. Preferia sempre pecar pela falta, do que
pecar pelo excesso de adornos.
Foi nessa hora, em que
seu marido, como quem não entende nada de estilo ou delicadeza, olhando pra
ela, a mirar-se no espelho, fez o seguinte comentário:
“Você vai com essa
roupa esquisita?”
Como em outras oportunidades,
teria sido um balde de água suja, despejado sobre ela – capaz de desmanchar o
penteado, encharcar sua roupa e desintegrar sua autoestima. Mas dessa vez não.
Pela pausa de silêncio
que se fez, parecia até que tal comentário passaria em branco.
Aí então, ela com uma
voz calma e assertiva, fez a pergunta:
“Quando foi?”
Ele não respondeu,
porque não entendeu, achou que ela começava um outro assunto.
Ela perguntou de
novo: “Quando foi?”
Ele, invocado disse: “Quê? Foi o quê?”
Aí então ela fez a
pergunta completa:
“Quando foi que você
me fez um elogio?”
Ele não respondeu, não
tinha a resposta.
Mas ela tinha e falou: “É de sua essência ser rude, sempre tentar
acabar com a alegria do outro!”
Se antes ele não tinha
resposta, agora muito menos, se calou por completo.
Ela acrescentou com a
mesma calma e assertividade: “Eu estou
me sentindo muito bem e sei que estou bonita.
Guarde a sua opinião pra si mesmo!”
Ele continuou sem
palavras - não porque tivesse mudado de opinião a respeito – mas porque, pela
primeira vez ele entendeu, como se ela tivesse ‘desenhado’ isso pra ele – que a
opinião dele não fazia a menor diferença pra ela!