quinta-feira, 10 de julho de 2025

 1708




TEMPO DE REFLEXÃO

Deixei doer o quanto precisou.  Não a substituí por qualquer coisa efêmera, não amordacei sua boca, só olhei-a nos olhos e lhe prestei atenção.  Porque ela deve gritar, xingar e esbravejar; até maldizer se for o caso, até sussurrar, se assim o quiser.  Não importa de qual linguagem se sirva, para se fazer clara, devo acolhê-la e dar-me tempo de reflexão.. Pois ela é a entidade mais gabaritada, ela e só ela conhece as origens de si mesma.  Reivindica ser escutada, olhada, sentida, compreendida, antes que se dê por satisfeita.  Talvez ela nem acredite em milagres, mas o melhor dos unguentos é ver-se legitimada.


A dor?  Ainda dói e vai doer, mas dói diferente, porque dói entendida.



arte __ brendda lima


quarta-feira, 9 de julho de 2025

1707




PLÁGIO

Senti meus pés presos ao chão, como se tivessem perdido a forma e assim,  se encontrassem incorporados ao solo.  Num esforço descomunal de concretizar um passo sequer, me vi atolado na substância indefinida e pegajosa, que havia se transformado em armadilha.  Eu não afundava, tampouco conseguia andar, dominado por uma estranha força, que me mantinha cativo na inércia.  O desespero era patente, sob o medo de ficar para sempre enraizado, num espaço nem um pouco agradável, e que poderia tomar conta de todo o meu corpo.  Impossível precisar, por quanto tempo já se arrastava a agonia.

Então, numa longa e profunda transpiração da alma, saindo de uma irresignada trajetória,  retirei minha atenção dos pés e me dei conta de que havia muito mais do que chão.  Plagiando os pensadores e filósofos, que vieram séculos antes de mim e certamente, passaram pelas mesmas dores e incertezas; percebi que há céu para ser respirado, há águas doces para saciar a minha sede, há matas para acalmar as minhas vistas, há montanhas para que eu possa ter uma visão mais ampla de tudo.  Do alto pude ver as águas salgadas, que puderam curar as minhas feridas.


quarta-feira, 2 de julho de 2025

 1706




FENDAS DE TODOS OS TAMANHOS


Todos nós trazemos fendas não visíveis.  Rachaduras profundas, outras menos. Por elas entra ou sai a tristeza; entra bem menos do que ‘aquilo que precisamos’, e talvez por serem tão fundas, dificilmente ficarão cheias.  Mas só nos damos conta de suas existências, quando elas direcionam as nossas escolhas, para caminhos que se revelam tortuosos - miramos no que vemos e acertamos no que não queríamos - é essa a dinâmica do olhar adoentado que temos.  E a cada escolha desacertada, somos forçados a ‘revermos’ a blindagem que nos reveste, de descobrirmos o porquê, de nos deixarmos apoderar por sentimentos e emoções alheios e sermos sequestrados dos nossos verdadeiros sentimentos.  Vivendo numa miscelânea de sensações confusas, nos vemos obrigados a ‘degustar’ uma salada desagradável ao paladar e indigesta.


Como seres fragmentados, andamos por aí, com feridas a céu aberto, expostos a todo tipo de contaminação, a todo tipo de invasão, deixando sair o que é bom, sujeitos às doenças da alma. Tanto quanto, as fendas da geologia podem causar terremotos e explosões; essas fendas que existem em nós, também podem desencadear choques internos, convulsões emocionais e implosões.