domingo, 23 de junho de 2024

1661




PALAVRAS E ATITUDES

O silêncio é côncavo, é um fosso onde cabem todas as palavras e atitudes hipotéticas de transposição.  Palavras essas e atitudes, que se negam à concretização e à construção de uma ponte.  Cada vez, fica mais fundo e largo, porque os dois lados se assemelham a placas tectônicas em convulsão - a cada espasmo, se distanciam mais e mais, depois de se chocarem.    Nessa profundidade e largura, cresce um vazio excruciante e atormentador, cheio de sentimentos invisíveis e pesados, que acabam preenchendo o espaço e impedindo a aproximação.



domingo, 16 de junho de 2024

 1660




DE CRAVO PARA NARCISO

Narciso se juntou à rosa, do lado de um grande espelho, e o espelho era só dele.  Narciso não via a rosa, só via seus espinhos; na sua arrogância dizia: que ela era feia.  Sabemos por quê, porque ela não era espelho!

Narciso adorava um palco, o protagonismo, a glória, o refletor, era jovial e sedutor.  No escuro, fora dele, tirava a fantasia, o verniz, e se sentia à vontade, para ser o que ele era de verdade – um tirano rabugento.  Mais forte do que todos os espinhos da rosa, era a couraça do Narciso – dura, perigosa e ferina, fazia dele um ser agressivo e insociável.

Mesmo mudando de cravo para narciso, acho que todos sabem como acaba a estória: a rosa despetalada e o Narciso afogado em seu próprio ego.

terça-feira, 11 de junho de 2024

 

1659 






AUTORRETRATO _______________________________________________________________

  

“Escrever conscientemente é o mesmo que desenhar inconscientemente o retrato de si mesmo, o autorretrato”.  __Max Pulver


Todo dia, estou eu aqui, a desenhar meu retrato fiel e atualizado. Muitas vezes mostro-me nua e com as entranhas expostas.  Meu silêncio grita eloquente, palavras desesperadas: em notas sussurradas e desesperançosas ou em sons agudos e esbravejantes.  Entre umas e outras, a resposta é a mesma.  O grito se dispersa pelo ar, na busca de ser ouvido e acarinhado, vaga por um oceano vazio e desconhecido, sem encontrar onde reverberar.


arte __ agnes cecile

domingo, 2 de junho de 2024

 1658




MURMÚRIOS

Faz do meu corpo o seu jardim.  Desfruta da exuberância, explora seu relevo e extensão.  Faça dele a sua cama, o seu lar, o seu refúgio.  Encosta seus ouvidos na terra, para escutar os murmúrios que ele emite, e então estará escutando a minha alma.  Juntos, contaremos as estrelas penduradas no céu.