1629
A GRANDE VIDRAÇA
Estou de frente à uma vidraça enorme. Minha curiosidade me faz querer saber, o que
ela guarda do outro lado, mas o vidro só reflete o que há desse, mantendo o seu
interior em segredo. Só posso ver o que
me rodeia.
Incontida no meu insatisfeito desejo de conhecer o que ela
me oculta, encosto meu nariz na superfície lisa e fria, coloco minhas mãos em
concha sobre meus olhos ... e como num passe de mágica, ou como, se ela aguardasse
um movimento decisivo meu para desvendar-se ... consigo ver o que há por detrás
da superfície, revelada espelhante, até então.
Vejo inúmeros degraus, pequenos, perfeitos, que podem me levar acima, em
curvas, que se esgueiram à visão e se escondem, umas nas outras, provocando
mais curiosidade.
Subo um a um, com determinação e coragem, porque é preciso
um certo esforço, para permanecer na escalada.
Sigo sem muito tempo de apreciar o que está ao lado, pois não posso me
deter em cada degrau, tempo além do que necessito para pisá-lo.
Em certos intervalos existem platôs, onde é possível amenizar
o ritmo da subida, e é justo nesses instantes, que aproveito para olhar para trás
e visualizar todo o cenário, inclusive o trecho de antes da grande vidraça – para
minha surpresa, ela não existe mais!
O trajeto à frente, ainda é de certa forma oculto, com
trechos sinuosos e desconhecidos; bem diferente do caminho já percorrido, que
se torna totalmente visível.
A vidraça é a divisa que nos mantém no presente, e é preciso
uma maior acuidade visual para enxergarmos através dela. Uma vez atravessada, descortinada por nós,
ela se desfaz e seguimos ao encontro do futuro.
Nos instantes de pausa, é possível, constatarmos o passado trilhado por
nós, como quem aprecia o feito de uma escalada perigosa, mas ao mesmo tempo, sente
o prazer de uma conquista: superando o medo, a inércia e o incerto.